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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sábado, 19 de fevereiro de 2011

O rio e o poder do paraíso - José do Vale Pinheiro Feitosa

Um rio magoa nossas lembranças. Não tanto pelo leito domado de um canal, mas pelo leito pretendido que suas águas eventuais podem ocupar. Os rios têm disso: estão numa calha traiçoeira apenas revelada pelos sedimentos geológicos. Os animais sedentos chegam às suas margens e pensam num leito de inverno, sem imaginar que nas procelas muito mais largos serão.

Para um olhar urbano, desejoso das bucólicas paisagens marinhas, aquele conjunto de seis casinhas de pescadores à beira mar era o mais próximo que suas imagens chegariam do paraíso. Por isso mesmo eram forte objetos dos seus desejos. De ouvir a chegada e o recuo das marés. Olhar os horizontes do mar com todas as aquarelas dos dias. Examinar seus ares com as formações de azuis e temporais.

Os rios, riachos ou levadas têm o leito compreendido como personalidade. O leito que é, ao mesmo tempo, muito mais do que o estático conceito, é a expressão da dinâmica, o curso e suas paisagens. É sua forma serpeante no revelo que traduz tudo de sua metafísica.

E foram estes olhares gordos, cheios de poupança, que voraz compraram as casinhas à beira mar. Numa época de inflação o pescador magoou-se com a rápida desvalorização do seu capital, restando-lhe palhas por moradia em terrenos afastados. Naqueles belos sítios à beira mar surgiu a pretensão de pequenos palácios. Com suas piscinas, pérgulas, churrasqueiras, varandões e um desejo enorme de mostrar o poder do progresso material.

Mas eis que o curso personalizado das águas, com suas margens educadas ou pretendidas, encontra o volume das águas marinhas. O volume de contra fluxo, o arrastar em sentido oposto aos rios, riachos e levadas. E estes se tornam um manto raso de águas, espalhadas como um véu a beira mar, não pela força das procelas que lhes dão pretensão, mas pela concentração de muito mais água que eles.

Um dia, numa agonia de cancro ou um podre que se perde aos pedaços, os pequenos palácios foram caindo no embate das marés. Os sonhos de poder se desmancharam aos bocados e estes em retalhos que afinal são migalhas da conquista do paraíso roubado a outro. Que nem era paraíso, apenas o temporário lar de pescadores próximos ao ofício da pesca.

2 comentários:

Edilma Rocha disse...

"Que nem era paraiso, apenas morada temporaria dos pescadores em oficio"
Essa frase define tudo...
Que bom encontra-lo por aqui, Do Vale !

Claude Bloc disse...

José do Vale,

O que de mais belo existe em seu texto, além do trato com o tema, são as figuras metafóricas de que se utiliza, dando ao leitor uma imagem clara do cenário.
Vivi seu texto e fiquei enlevada pela tela que você pintou, mesmo quando a realidade dura se revela e se interpõe ao momento de um contrastante delírio - as lembranças de como aquele cenário era antes da ação desordenada do homem.

Enfim, é sempre agradável te ler.

Abraço,

Claude

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"Os sonhos de poder se desmancharam aos bocados e estes em retalhos que afinal são migalhas da conquista do paraíso roubado a outro."