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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Virgulino, um cangaceiro a frente de seu tempo. Por: Manoel Severo




Parece estranho falarmos de cangaço e termos que recorrer a conceitos próprios do ambiente empresarial moderno; mas, nos aprofundando um pouco mais na história intrigante de Virgulino, não nos parece exagero considerar que já naquela época o engenhoso bandido das caatingas conhecia muito bem o valor do Marketing Pessoal, a Política da Boa Vizinhança, Lobby e Tráfico de Influência, até mesmo noções de Logística Empresarial; na verdade não conseguimos conceber um reinado tão extenso de uma vida fora da lei em circunstâncias tão adversas, sem que boa parte desses conceitos não fizesse parte da mente prodigiosa de Lampião.

Desde cedo pela própria profissão da família, Virgulino e os irmãos passaram a conhecer toda a região e fazer um grande ciclo de relacionamentos, que mais tarde, unido a ingredientes como o medo e o favor, seriam de muita valia. Sem falar que essa espetacular rede de “apoiadores”, formada de gente miúda e graúda, foi fundamental para a sobrevivência por tanto tempo do famoso grupo.

As condições inóspitas e hostis da caatinga exigiam, além da extrema capacidade física, um exagerado instinto de sobrevivência. Comida, água, descanso, dormida, eram luxos muitas vezes esperados por dias a fio. Andanças intermináveis, muitas vezes em círculos, passando por vários estados em poucos dias carecia de um mínimo de organização e senso de direção.

Outro fator preponderante era o acesso à munição. Até os mais próximos do grande chefe do grupo, não sabiam de onde vinha tamanha carga de armamento, inclusive recebendo o que havia de mais moderno na época, exclusividade que nem as forças policiais recebiam.

Penso que o maior de todos os diferenciais entre Lampião e os outros grandes chefes do cangaço, como Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino e mesmo Sinhô Pereira, sem dúvidas era o seu cérebro privilegiado. Mesmo compreendendo a posição de amigos pesquisadores quando defendem a desconstrução do mito de que Lampião não tinha nada de estrategista militar e que seu sucesso e longevidade na vida cangaceira se deveu a uma “mistura de incompetência e corrupção, por parte dos governos, e instinto de sobrevivência da parte dele, Lampião”; as espetaculares técnicas desenvolvidas para a “guerrilha” na caatinga, muitas vezes foram determinantes para salvar vidas e vencer batalhas, muitas delas beirando ao absurdo do desequilíbrio de forças, como a de Serra Grande onde uma força volante de perto de 400 homens não conseguiu dá cabo do grupo cangaceiro com pouco mais de 70 cabras, q ue se valiam desde o ousado enfrentamento em nítida desvantagem, à retirada estratégica quando lhe era conveniente, muitas vezes o bando simulava o abandono do embate e voltava pela retaguarda e encontrava a força volante totalmente desprevenida.

Na verdade, o próprio estilo de vida cangaceira; uma espécie de nômade das caatingas, o profundo conhecimento da região e suas sólidas redes de apoio logístico, lhes conferiam um grande poder de mobilidade, como também maiores condições de escaparem da polícia.

Um dos maiores cuidados do grupo era evitar o movimento pelas estradas, e mesmo dentro da caatinga tomavam cuidados excessivos com relação aos rastros. O ato de andar em fila indiana, todos seguindo na mesma pegada, o fato de calçar alpercatas com o salto na frente e o último do grupo apagar as pegadas com galhos de plantas eram providências costumeiras para dificultar o trabalho dos rastreadores das volantes, o cuidado em acender o fogo para a comida e até mesmo em enterrar os restos de animais sacrificados e restos de comida eram costumais, além do uso de cães para a sentinela e um entrançado de fios e chocalhos ligados entre si pela catinga, para denunciar a presença indesejada. Ao invadir os lugarejos o primeiro alvo eram sempre os fios do telégrafo.

Outra tática que visava confundir o trabalho das volantes era não deixar os corpos de seus companheiros abatidos em combate, quando era inevitável, cortavam as cabeças dos mesmos para evitar que fossem identificados. O grupo também possuía o hábito de para os novos membros adotar a alcunha ou apelido de outro companheiro morto, também na intensão de confundir a polícia, perpetuando o personagem abatido.

Dessa forma não seria exagero nenhum, declinar Virgulino Ferreira como um dos cérebros mais privilegiados de sua época, razão sem dúvidas que permitiu seu “reinado” por quase vinte anos; de sua simpática Vila Bela em 1918 até o fatídico julho de 1938, em Angico.

POR: Manoel Severo - Cariri Cangaço

6 comentários:

Edilma Rocha disse...

Severo,

Muito prazerosa a leitura do texto "Virgulino, um cangaceiro a frente de seu tempo".
Estas curiosidades em referencia ao nosso tempo atual, como empresarial,o marketing pessoal,a politica da boa vizinhança, o Lobby e tráfico de influencias, nos dá a noção exata do valor da inteligencia desse cangaceiro até hoje. Vendo pelo angulo apresentado por voce, entendemos um pouco mais deste valente justiceiro e aprendemos as verdadeiras razões de ter permanecido tantos anos no seu reinado.
Gostei muito !
Parabéns e obrigada por partilhar aqui no Cariricaturas tantas informações importantes.

Abraço !

CARIRI CANGAÇO disse...

Estimada Edilma,

Realmente Virgulino estava à frente de seu tempo, era um homem diferenciado, com habilidades próprias e que com certeza deve a esse conjunto de habilidades, seu longo reinado fora da lei; entretanto, e eu não poderia deixar de frisar, que esse mesmo Virgulino Lampião, permaneceu por muito tempo "útil" às elites de então, dessa forma justificando também sua longevidade, quando passou a ser inoportuno e perigoso,acabou sendo morto.

Permita-me discordar de minha amiga em um aspecto: na minha humilde maneira de ver Virgulino não teria sido um justiceiro, nem de perto um heroi, um Robin Hood nordestino, com certeza, estimada amiga, foi um bandido perigoso e cruel.

Receba meu abraço fraterno,

Severo

Claude Bloc disse...

Severo,

O texto com que você nos brinda, além de trazer à tona um assunto vibrante e interessantíssimo, foi composte de uma forma tão agradável de ler que quando chegamos ao final, ficamos com vontade de continuar.

A maneira sutil com que trata em seu texto do homem-Virgulino, tornando-o um ser diferente e diferenciado, faz o leitor vibrar porque o que se lê, de um modo geral, é aquela versão simplória que o torna uma pessoa comum e cruenta sem lhe dar a devida atenção como articulador sagaz e ardiloso estrategista.

Obrigada por trazer ao Cariricaturas um tema tão nosso abordado com essa visão humana e inteligente.

Abraço,

Claude

CARIRI CANGAÇO disse...

Muito obrigado Claude.

A propósito, na segunda quinzena de Março estaremos hospedando por alguns dias em nossa casa em Crato, o professor Jack de Witte, pesquisador e escritor francês, vindo diretamente de Paris para pesquisar o cangaço em nosso Cariri; caso seja possível gostaria de possibilitar um momento com sua honrosa presença.

Abraços,

Severo

Claude Bloc disse...

Severo,

Convite aceito. Estou chegando ao Crato dia 18 para fazer mais um módulo de espacialização na URCA.
Escreva-me para cbbloc@uol.com.br me mandando um telefone de contato. Será uma honra poder atendê-lo.

Abraço,

Claude

CARIRI CANGAÇO disse...

Tá combinado.
Abraços,

Severo