Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 28 de março de 2011

A PALAVRA AMOR






A PALAVRA AMOR

Meu pai nunca disse a palavra amor.
Impossível imaginar.
Cumprimentava minha mãe: Bom dia!
Boa tarde!
Dava a mão. Nenhum gesto de carinho.
Mas levava café para minha mãe na cama.
A voz dele enchia a casa.
Enchia de um sossego bom que não pode ter
nome melhor que amor.
Gritava arroooi!!! quando trovejava, a gente dizia
            que era o grito de chamar a chuva
e esse grito não tem nome melhor que amor.
A gente se lembra dele, do meu pai,
            como quem reza.
Gozado! Ele não fazia nenhum gesto de carinho
            para a gente ou para a minha mãe.
Fazia doce de fio de ovos, fazia vassouras de noite
            na cozinha, trabalhava feito doido na roça,
falava da gente com orgulho, falava dos mortos
            com orgulho, dava orgulho ver ele falar,
            sempre de bem com a vida.
Para que é que serve a palavra amor?
                                              
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Li este poema no auditório lotado do SESC de Bauru, em 1999. Depois me envergonhei dele: não é um bom poema. Rasguei-o, nem me lembrava dele quando a minha prima Zilda o comentou – a minha irmã tinha uma cópia, que deu à Zilda. Depois encontrei um vídeo daquela apresentação no SESC – é um pouco mais longa, eu tentei consertá-la encurtando-a. Eu estava escrevendo os 40 poemas de amor e, sem querer (!), saiu este. Porque não era um poema de amor – à minha mulher, como os outros – e porque era ruim, deixei-o fora do livro “Poemas de amor”. Hoje, pelo que ainda possa significar, dedico-o aqui justamente à minha mulher.

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Um comentário:

Claude Bloc disse...

José Carlos,

Às vezes alguns dos nossos escritos nos incomodam, ou porque nos sentimos além deles, além do sentimento ali expresso, ou porque ele não expressa mais as razões de nossa alma.

Creio, porém, que temos que reler esse textos através da essência com que foram gerados...

Digo-lhe: a leitura desse poema me fez senti-lo "meu", pela verdade que revela, pela prática do amor que aparece a cada linha, mesmo quando esse amor é negado na sua superfície.

Portanto, afirmo-lhe: sua mensagem acontece no subterrâneo das entrelinhas, mas nos fala muito de perto.

Abraço,

Claude