O regime comunista polonês orgulhava-se de ter
criado, com Nowa Huta - distrito operário próximo a Cracóvia planejado como
modelo de sociedade marxista -, a "primeira cidade sem Deus" da
Polônia. Na verdade, era apenas uma cidade sem igreja. Sem o prédio de uma
igreja. Por isso os operários levados para povoar Nowa Huta ergueram uma
simples cruz de madeira no meio da cidade. E se revezavam montando guarda a
essa cruz, enquanto esperavam que sua cidade se tornasse uma paróquia.
Em 1963, o jovem bispo de Cracóvia decidiu aumentar
a pressão sobre o governo comunista para que finalmente fosse permitido aos
católicos de Nowa Huta erguer sua igreja. Na noite de Natal, debaixo de chuva e
sob temperaturas negativas, Karol Wojtyla rezou a missa do galo em Nowa Huta pela
primeira vez. Muito antes da queda do comunismo na Polônia, Nowa Huta ganhou
sua igreja. Para o então futuro papa ficou uma lição que ele levaria para o seu
pontificado de mais de 25 anos: a Igreja não é um edifício. Também não é a
hierarquia sozinha. A Igreja é a presença dos fiéis cristãos. Onde quer que
eles estejam, ali estará a Igreja. Mesmo que seja em torno de uma simples cruz
de madeira em Nowa Huta. E foi confiando nisso que João Paulo II pôs a Igreja
de volta no centro da discussão dos destinos da humanidade no final do século
20.
Uma cruz igualmente simples e profundamente
simbólica está no Brasil. Ela é uma criação de João Paulo II e, de certa forma,
é filha direta da cruz de Nowa Huta. Trata-se da Cruz dos Jovens, que iniciou
em São Paulo, no domingo, dia 18, uma grande peregrinação por dioceses da
América do Sul a caminho do Rio de Janeiro, sede da próxima Jornada Mundial da
Juventude, em 2013. Há quem veja, mesmo dentro da Igreja, as Jornadas Mundiais
como pouco mais do que uma celebração. Ou uma ótima oportunidade de
"evangelizar os jovens", como gosta de dizer parte do clero. Uma
espécie de grupo de jovens da paróquia em larga escala. Mas é muito mais do que
isso.
A ideia da Jornada Mundial da Juventude começou a
se delinear na mente do beato João Paulo II ao fim do Ano Santo de 1984. A
grande cruz de madeira que ficou durante todo o ano na Basílica de São Pedro
foi confiada aos jovens por ele. A tarefa, disse João Paulo II, era
"levá-la para todo o mundo". Ainda não estava claro o que isso viria
a significar. Os jovens levaram cruz a eventos católicos e, aos poucos, ela foi
ganhando importância como símbolo. Até que o papa enviou os jovens, com sua
cruz, para Praga, então parte da Checoslováquia ainda sob domínio comunista, de
onde era arcebispo o cardeal Tomasek, preso pelo regime comunista nos anos
1950.
Aí, com a Cruz dos Jovens no mesmo papel da cruz de
Nowa Huta, nasceu a ideia das Jornadas Mundiais da Juventude. A simples, mas
eloquente, cruz de madeira seria levada pelos jovens, com a audácia e a coragem
típicas da idade, a qualquer lugar do mundo. Mesmo onde não a quisessem. Fosse
uma cidade além da Cortina de Ferro, como Praga, fosse para capitais de uma
Europa pós-cristã, como Paris.
No pontificado de Bento XVI, o comunismo - a mais
duradoura e das sanguinárias experiências de engenharia social que marcaram o
catastrófico século 20 - já é um monstro derrotado. O perigo, aponta o papa, é
o relativismo moral que aceita apenas o cálculo de satisfações como critério e
insiste em usar o poder do Estado para manter a visão religiosa dos cidadãos
fora do debate público. Esse é o sentido profundo das Jornadas Mundiais da
Juventude. É preciso levar a sério a análise do papa de que os jovens são os
protagonistas da Jornada. Elas não servem para os padres e bispos evangelizarem
os jovens. Elas servem, isso sim, para os jovens evangelizarem o mundo.
(*) Marcelo Musa é jornalista de “O Estado de
S.Paulo”
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