"No cariri cearense, tem-se impressão de que velhos métodos coronelistas continuam em uso nas eleições"
O
Crato ferve no mês de agosto. Toda região do cariri cearense está
fervendo debaixo do sol quente nesse ano de estiagem e com as disputas
eleitorais para as prefeituras. O silêncio, que se tornou raro nas
cidades nordestinas, é o mais desrespeitado por dezenas de carros de som
ziguezagueando rua acima e rua abaixo, apregoando as qualidades de
futuros vereadores e prefeitos. Todos se proclamam “ficha limpa”, como
se fosse virtude e não obrigação possuir um currículo impecável. A
ênfase em que o candidato não responde por crime de corrupção ou
peculato ilustra o quanto se tornou comum escândalo envolvendo
políticos. E a baixa credibilidade deles junto ao povo.
No cariri cearense, tem-se impressão de que velhos métodos coronelistas
continuam em uso nas eleições. As pessoas ainda escolhem seu candidato
pelo compadrio, por dívida de favor, porque não deseja perder o voto
(perder o voto é votar em que não ganha), para garantir o emprego,
porque é um empresário bem sucedido, administrou seus negócios com lucro
e poderá fazer o mesmo na prefeitura. Ainda confundem bem privado com
bem público e acham que o esforço para gerir em causa própria será o
mesmo para o coletivo.
Outra falácia dos candidatos é apregoar-se um autêntico filho da terra.
Dizem que nunca abandonaram o torrão natal, que sempre estiveram ali no
batente, chafurdando e conhecendo os problemas da região em que
escolheram viver. Pura demagogia. Bem melhores são os candidatos
arejados, que correram o mundo, receberam formação em outras
universidades, vivenciaram culturas e democracias. Esse xenofobismo
político é o que existe de mais tacanho e atrasado. Nada melhor do que
as fronteiras abertas, novos discursos e práticas.
Desejei que os eleitores do Crato perguntassem aos seus candidatos de
que maneira eles irão resolver o forte impacto ambiental sobre a Chapada
do Araripe, o pé de serra, a fauna, a flora e as nascentes d’água da
região. Com o crescimento demográfico, fugiu ao controle da prefeitura e
do Ibama as construções em áreas de encostas, os desmatamentos, o lixo
jogado em lugares sagrados. Os políticos permanecem com a mesma conversa
antiga de que o Crato é um paraíso da natureza, lugar ideal para o
desenvolvimento turístico, terra da cultura e blá, blá, blá. Parece que
não caminham pelo município que se propõem administrar, não enxergam que
as nascentes d’água foram fechadas em tanques de cimento de onde partem
dezenas de canos PVC, que o lixo se acumula em torno dos balneários
públicos, que não existe silêncio nem recolhimento para curtir a
natureza.
Nunca compreendi porque o rio Granjeiro, que atravessava a cidade no
seu leito de areia e pedras, que há alguns anos atrás possuía uma
pequena mata ciliar, precisou ser contido dentro de um canal, onde jogam
os esgotos das casas. Isso não aconteceu em Paris, Londres, Budapeste e
Praga. Aqui no Brasil, é comum os rios serem transformados em esgotos.
Vez por outra eles cobram seus espaços de volta e tome alagamentos e
destruição. Um dos graves problemas que o futuro prefeito terá de
resolver será esse: reconstruir o canal do Granjeiro (reparem que não
escrevo rio Granjeiro), destruído na última cheia.
E já que falamos em esgotos, também gostaria de perguntar quais os
planos do futuro prefeito para o saneamento da cidade. Não adianta
investir em saúde, sem primeiro cuidar de abastecimento d’água e
saneamento básico. O maior percentual de doenças continua sendo de
transmissão hídrica, sobretudo na infância, tratadas sem que se ataque a
causa geradora.
Os candidatos precisam acabar com o ufanismo pelo que não existe mais.
80% da população do cariri mora nas cidades, principalmente em
periferias. Cidades com os mesmos problemas e complexidade dos grandes
centros urbanos. Desfaçam de uma vez por todas o romantismo de um Crato
rural, com engenhos de rapadura e cachaça, nascentes correndo livres de
serra abaixo. Como dizia o poeta popular Fabião das Queimadas, isso tudo
“já morreu, já se acabou e está fechada a questão”.
(*) Ronaldo Correia de Brito é escritor, dramaturgo e médico.
Cearense radicado em Pernambuco, é autor dos livros de contos Faca,
Livro dos Homens e Retratos Imorais e do romance Galileia, entre outros.
E-mail: ronaldo_correia@terra.com.br.
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