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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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sábado, 2 de janeiro de 2010

Quando partes parecem o todo

José Luiz Fiorin

Gregório de Matos tem um belo poema sobre as relações entre parte e todo (Péricles Eugênio da Silva Ramos (org.). Poesia Barroca. Melhoramentos, 1966:35):

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo,

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em qualquer parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço que lhe acharam sendo parte,
Nos diz as partes todas deste todo.

Esse soneto estrutura-se sobre uma antítese (parte vs todo), que, ao longo do poema, desfaz-se, já que nele se afirma que a parte é o todo. Expõe-se uma interessante concepção medieval acerca das relações entre a parte e o todo, presente na doutrina católica sobre a Eucaristia. A parte não é fração de um conjunto, mas símbolo dele, ou ainda, mais precisamente, é equivalente ao todo, representa-o.
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Assim, quando se divide a hóstia, nela não está presente um pedaço do corpo de Cristo, mas está o corpo inteiro. O que se parte é só a expressão (a hóstia) de um conteúdo incomensurável e indivisível (o corpo de Cristo). O poema mostra que a antítese existe no nível da expressão, enquanto, no do conteúdo (corpo de Cristo), a parte contém o todo, é o todo. Por outro lado, a concepção da relação entre parte e todo conduzia a outra interessante noção. Na época, não existia o conceito de individualidade..

A pessoa, enquanto tal, não tinha valor pessoal nem direitos individuais. O que lhe dava valor, direitos e privilégios era o grupo social a que pertencia. Quanto mais alto o valor do grupo, maior o da pessoa. Por outro lado, o homem representava todo o grupo a que pertencia. Se cometia um erro, praticava um crime, maculava, desonrava toda a corporação [...].

José Luiz Fiorin é professor de Linguística da USP e autor do livro Em Busca do Sentido: Estudos Discursivos (Contexto)

Fonte: http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11907

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