Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

domingo, 22 de agosto de 2010

CHRONICAS CARIRIANAS


Essa doeu!

Por Zé Nilton*

Parece mais um pesadelo quando se vai virando página por página do livro “História do Brasil com Empreendedores”, do escritor Jorge Caldeira, São Pulo: Mameluco, 2009. homem dá uma estocada lá no fígado de certa intelectualidade pródiga em explicar a historia da formação brasileira pelo viés marxista. Qual um carrasco, no que este tem de impiedoso, o cara se reveste de um maquinário argumentativo e documental de agudas pontas, e se investe terrivelmente na desconstrução axiológica da metodologia do famoso Caio Prado Júnior, na sua obra inaugural “Evolução Política do Brasil”. É paulada pura!

E nós, das Ciências Sociais, que fomos “obrigados”, apesar de você (a ditadura), nos anos sessenta e setenta, a pensar o Brasil pela ótica conceitual de Caio Prado Júnior. Que decepção, a ser verdade as revelações de origem, de formação e de sinceridade intelectual do dito cujo.

É complicado entender que o homem escreve uma obra marcante na interpretação de nossa formação enquanto sociedade periférica, enquadrando-a num referencial teórico de iluminação marxista, sem ainda ter plenificado sua compreensão do materialismo histórico.

Pior, segundo o cruel Caldeira, ele passa a limpo as interpretações históricas de nossas gêneses capitalistas a cópia fiel dos escritos do positivista e racista Oliveira Viana. Pode ?

Não estou fazendo uma resenha do livro. É bom que todos leiam e tirem suas conclusões. Eu já tirei as minhas...

Minha preocupação desde muito é com a História do Cariri do século XVIII. Aí entra uma particularidade do livro de Jorge Caldeira. Ele fala do pouco alcance da explicação tanto marxista quanto conservadora sobre a economia do século XVIII no Brasil. Ambas não deram conta do que realmente significou a dinâmica do capital por aqui, pois ao reificar o constructo do modelo exportador de nossas riquezas, deixou de lado a existência de uma classe de empreendedores que, “ligada à produção independente e à pequena propriedade, produziu uma economia dinâmica, que crescia em taxas mais elevadas que a da Metrópole – mesmo tendo de lutar contra a ação do governo. Resultado: a economia brasileira, em 1800, era bem maior que a de Portugal”.

É aí onde quero chegar. Era incalculável a riqueza de certas famílias no interior desse Brasil, no período da colonização, principalmente nos sertões distantes do mercado exportador.

Pois quando da elevação do povoado do Tauá em Vila Real de São João do Príncipe, em 3 de maio de 1802, segundo o historiador dos Inhamuns, o eminente Antonio Gomes de Freitas, no seu livro, Inhamuns, Terra e Homens, Editora Henriqueta Galeno, Fortaleza, 1972, o garbo, o fausto e o brilho das famílias empreendedoras da região se fizeram notar, no momento mesmo do ato público de criação da Vila.

Diz Freitas reproduzindo documentos da época:

“No patamar da Igreja via-se reunida em torno do Ouvidor, naquele três de maio, a sociedade tauaense, ofuscando com o brilho, com o esplendor, a comitiva que não se cansava de olhar aquele quadro bizarro de fausto e pompa.

Eram as damas da terra, as senhoras dos fazendeiros e as sinhazinhas, suas filhas, num luxo vienense, de surpreendente elegância com espartilhas a comprimir a cintura, vestidos de anquinhas, enfeitados de renda Racine, vindos do Reino, calçados de velbutina, marroquim ou camurça, grandes pentes de ouro, enfiados em cocós ou, quando sem eles, um pano delicado, uma mantilha de preço, cobrindo-lhes a cabeça. Enfeitavam-lhes gemas belíssimas de ouro e pedras preciosas, brincos, gargantilhas, redomas, trancelins, pulseiras de berloques, longos cordões de ouro, que chegavam a medir até duas braças(sic).

O fausto com que se apresentavam os “grandes” da nova metrópole do Inhamuns, traduzia fielmente a riqueza da terra. Metidos em casacas ou sobrecasacas de pano fino azul ou preto, jaqueta de mangas-justas, algumas vezes enfeitadas de renda na altura dos punhos, coletes de musselina, um por dentro do outro, calções acolchoados abotoados ao joelho, que se casavam com meias de seda fina de Saragoça, colarinhos duros, levantados, com gravatas e meio lenço, chapéus legítimos de Braga e guarda-sóis de variegadas cores, de preferência vigorosas... De par com estes, o capitão-mor dos Inhamuns, José Alves Feitosa.... e demais oficiais das Ordenanças. Garbosos, em vistosos uniformes de gala, com chapéu fino, armado, atadas à cinta longas espadas, de copos de ouro, que se conservava guardadas em estojos de prata. Os sapatos em verniz, de entrada baixa, cravados de fivelas de precioso metal”.

Pra você ver, como quer Caldeira, internamente havia o enriquecimento de grupos que não produziam para exportação e que viviam numa riqueza fenomenal.

Terminando, eu digo que aprendi a desconfiar das teorias totalizadoras que teimam em não reconhecer que o mundo é feito de partes.

*Antropólogo. Professor do Departamento de Ciências Sociais da URCA.
www. figueiredo.jnilton@gmail.com

Nenhum comentário: