Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A MOÇA DE LAVRAS DA MANGABEIRA - TEXTO DE RAQUEL DE QUEIROZ - Por Edilma Rocha


Uma pintora ilustre, consagrada: quadros seus espalhados pelos museus e pinacotecas de sua terra e do estrangeiro; mais carregada de medalhas de ouro que muito marechal vencedor de batalhas. Exposições vitoriosas. Críticas laudatórias.
Consagração na Academia Brasileira de Belas Artes. Currículo tão brilhante é raro: e conquista-lo representa uma vida inteira de dedicação e luta, e principalmente trabalho, trabalho. No final, a glória.
Mas onde começou essa glória ? Em Paris, Roma, no Rio, nos inúmeros lugares da Europa e América por onde a pintora andou ? Não, por essas terras não eram mais começos, era batalha plena. Tudo começou em uma pequena velha cidade do sul do Ceará - Lavras da Mangabeira. Lá nasceu a moça, de lá alçou o seu vôo. Ah, quem começa na cidade grande não terá nunca a idéia do que representa começar por ser uma moça de Lavras da Mangabeira. Eu sei, porque comecei também por ser uma moça de Quixadá, mesmo Estado, mesma região, mesma linha do trem, sertão, tudo. O Quixadá ainda mais ríspido e difícil, emparedado no seu ninho de monólitos, Lavras, pelo menos mais amena, lavada nos ares frescos do Cariri; na minha zona o boi e o algodão; na de Lavras já a cana, o açúcar, a agricultura superior. Mas tudo Ceará, tudo Nordeste, tudo distância; a moça que nasceu para pintar, como a moça que nasceu para escrever, sentem ambas que aquele reino não é o seu; tem fôlego largo no peito, precisa expandir-se. A terra pequena, com suas limitações, a incompreensão geral, ante a vocação inesperada da menina, as nenhumas possibilidades para exercício e desafio - e ela quer fazer, ela tem que fazer, ela há de fazer !
No começo tudo são flores, admirações, até vaidade alimentada por pai, mãe, tios, amigos. O primeiro desenho, o primeiro verso: meu Deus, que menina mais inteligente, como é que ela sabe copiar  uma flor, traçar o risco de um pássaro no céu, desenhar aquela cabeça de homem que parece mesmo estar vivo ?
No colégio de freiras ensinam-lhe a técnica do fusain, a cópia de modelo de flores e volutas, as primícias da aquarela; tudo copiado de outros desenhos, outras aquarelas, claro. O resto, a fuga daquelas primícias inocentes, ela tem que fazer sozinha, em casa enquanto prepara o vôo para longe.
Pode-se imaginar a importância do salto, o esforço, as lutas e as lágrimas que lhe custou o desprender-se da cidade pequena, da família , das imposições do ambiente do tempo, da sua condiçao de moça de boa família, à qual parece mal-soante a sua vocação artística. Ninguem entende - ou talvez só uma pessoa a entenda - a mãe ? O pai ? Uma irmã mais velha ? No caso de Sinhá não sei, no meu, para a fuga, tive facilidade extra - a cumplicidade inteligente de pai e mãe. Mas o resto, o círculo geral, fechava-se em ferro e condenações.
Mas Sinhá foi para a Escola de Belas Artes, a Nacional, a do Rio. Cursou a Academia de Belas Artes de Florença. Salto incrível esse segundo, já não mais Brasil, mas Europa, Itália, o estrangeiro. Verdade que aí já tinha a autoridade do êxito; não há como o êxito para dar segurança e força.
Mas a tarefa de ser uma grande pintora não se mede apenas em  termos de êxito pois que ela precisa ser pintora em primeiro lugar para ela própria - realizar-se artisticamente, satisfazer-se; terminar a obra, contemplá-la e poder dizer a si mesma que aquilo está bem. A sua arte não é apenas inspiração espontânea; a maior parte dela é técnica, aprendizado, progresso. O laborioso, humilde aprendizado que não acaba nunca; aos vinte, aos trinta, aos cinquenta, aos setenta anos como agora- trabalhando sempre, progredindo sempre, descobrindo sempre.
Assim se fez, assim continua a refazer-se esta grande pintora, esta grande dama, esta brasileira que, por mares além, tem levado na sua arte o nome do Brasil : Sinhá D´Amora. Cearense de Lavras da Mangabeira, orgulho da sua terra, que a gente saúda e abraça com comovida alegria vaidosa de poder declarar de público que é sua amiga, sua admiradora, sua fã.
Deus a abençõe, Sinhá.

Raquel de Queiroz

Texto publicado no livro
Sinhá D´Amora
40 anosde vida artística

Tela intitulada - Êxodo Nordestino -de sua autoria, pertencente ao Museu de Arte Vicente Leite do Crato

4 comentários:

socorro moreira disse...

Esta cidade possui uma boa lavra de artistas.
O mais próximo, vale lembrar , é o Emerson !
E você, nossa enciclopédia de artes plásticas, trouxe à tona um texto histórico de Raquel.
Não o conhecia !


Abraços.

Stela disse...

EDilma,

foi muito oportuna essa postagem, com um texto de Raquel de Queiroz, falando da grande pintora Sinhá D'Amora - duas cearenses destacadas nas artes.

Edilma disse...

Socorro,

Foi a maneira que encontrei para homenagiar Raquel de Queiroz pelo seu centenário e a Sinhá D´Amora juntas neste texto que narra a história das duas artistas cearenses. Fale mais sôbre a arte de Émerson preciso conhece-lo melhor.
Vou começar a postar as fotos que fiz da Serra Verde por aqui. Uma de cada vez para não ser cansativa.
Quer passar o Natal comigo ?
Vou reunir no Crato a cria toda em volta de Seu Edilson e Dona Telma, se Deus quiser.
Prepararei uma ceia de Natal no capricho com tudo que temos direito.
Victor também é meu convidado.Que acha ?
grande abraço, tijolo de buriti !

Edilma disse...

Stela,

Estou com saudades das histórias de Bisaflor. Procura pelo Quixadá e faz uma seleção daquelas que só voce sabe.
Eita nós outra vez !

Abraço, menina !