Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A invernada

Chuva, chuvada, chuvarada.
Chuva do caju, chuva da manga, chuva de Santa Luzia, chuva de São José. Todas alegrando a natureza. Porém, as mais poderosas e esperadas eram as chuvas de inverno. Quem já presenciou no passado esse cenário, não esquece o ritual que se prestava nas primeiras chuvas que davam início à invernada.
Era a natureza em festa. Nuvens escuras e densas no céu, já eram motivos de inquietude, de ansiedade e de esperança de uma boa invernada, proporcionando a todos, ricos e pobres, um período de fartura. Os moradores do campo, movidos pelas suas sabedorias, não deixavam de interpretar as mudanças atmosféricas, sinalizando que, em breve, muita água correria. Naquele cenário, cada um se fazia presente, confirmando as crenças que reinavam sobre a natureza. Em um toque de mágica, surgiam as borboletas que, com as suas asas abertas, saudavam cerimoniosamente, toda a beleza da chuva. As tanajuras marcavam presença entre imensas nuvens, enquanto a passarada saltitava de galho em galho. O seu regorjeio nada mais era que uma forma de expressar o seu contentamento. Sentir, livremente, o orvalho das folhas ensopar as suas penas, de águas cristalinas como uma benção divina. Os campos logo se revestiam de novas folhagens onde o verde se confundia com o colorido das pequenas borboletas que bailavam entre a vegetação nativa. O gado, espalhado pelos pastos, dominavam as suas áreas procurando, como forma de sobrevivência, maior proveito em sua pastagem. Saciado, nada melhor que uma pausa para o descanso, ruminando à sombra de um juazeiro.

Os moradores da região, logo ao amanhecer, fortalecidos pela esperança de um vindouro tempo de fartura, procuravam, com enxadas nas costas, os seus roçados. Dias antes, cada um já havia recebido o seu punhado de sementes - feijão, milho, arroz...

A meninada, entre algazarras e brincadeiras, aguardava as fortes chuvas para, também, deleitar-se aos prazeres da invernada. Cada um, ao redor da casa, procurava a melhor biqueira. Ali, com a própria roupa, expunha o seu corpo à correnteza da água cristalina e fria que, livremente, descia pelas telhas. Para isso, a chuva precisava ser forte, grossa. Então, na doce inocência para apressar o banho, em volta do alpendre, como se fosse um pedido, a meninada, entre o barulho da chuva e de seus trovões, puxava a sua ladainha –“engrossa chuva, engrossa chuva, engrossa chuva”. E a sua chuva aumentava. Vários percursos eram feitos pelas águas em correnteza. Passando por córregos, levadas, rios e estradas, arrastando pedras, pedrinhas e folhas, a água deixava o seu rastro, fazendo em seu trajeto, os contornos direcionados pela sua força. Entre esses percursos, durante a noite, acalentadas pelo barulho da chuva e os respingos de água que caiam das telhas sobre os rostos, a meninada era dominada pelo sono. E, quantas vezes, nas altas madrugadas, com os trovões e relâmpagos que iluminavam o telhado, um “anjo”, com uma lamparina na mão, velava as suas crias.
Hoje, de todo esse cenário, restam apenas recordações. A natureza, agredida pelo homem, tomou novos rumos. Já não temos mais aquelas fortes invernadas e, consequentemente, as extensas lavouras nem a época festiva de plantio nos campos. A meninada cresceu e cada um seguiu o seu caminho. Os camponeses, que davam vida àquele cenário, não mais pertencem a este mundo terrestre. E, até mesmo aquele “anjo” que, nos vigiava o sono nas noites de trovoada, recentemente, deixou-nos em busca de um novo lugar, onde a invernada é o reino do Criador.
Maria Teresa Barreto de Melo Peretti

6 comentários:

socorro moreira disse...

Belo !!!
Li arrepiada.Pura poesia !

"E quantas vezes, nas altas madrugadas, com os trovões e relâmpagos que iluminavam o telhado, um “anjo”, com uma lamparina na mão, velava as suas crias."

Esse texto é um presente de Natal.

Abraços, menina !

socorro moreira disse...

Tete,

Envie esse texto e mais um outro para o e-mail de Stela.
Vc precisa fazer parte da Edição Especial do Cariricaturas.
O prazo de envio é até o dia 15.12.2010.

Beijo

Aloísio disse...

Tetê

Maravilha de texto, recheado de lembranças e saudades.
Parabéns!!!

Abraços
Aloísio

Liduina Belchior disse...

Tete,

Descrição perfeita de chuvarada para o sertanejo caririense.Parabéns pelo texto que nos tocou e nos levou a tempos idos. Amei.

Abraços: Liduina.

Marcos Barreto de Melo disse...

Tetê,

Gostei muito do seu texto e viajei, com saudade, na lembrança daqueles bons tempos.

Abraço,

Marcos

João Marni disse...

Tete,que saudadess..
Lindo texto.Nos leva a uma infancia feliz.
Voce foi muito feliz retratar a Nossa querida Elza como um anjo
bjsss
fatima