Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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sexta-feira, 13 de maio de 2011

Literatura de Cordel - Por Mundim do Vale

ENTERRARAM   MEU  UMBIGO
NO   RIACHO   DO    MACHADO

Nasci no meio rural
Puxado por cachimbeira,
Foi Antônia Cabeleira
Quem fez o parto normal.
Depois houve um ritual
Do meu pai muito Apressado
Saindo com um cunhado
Que era muito seu amigo,
PRA ENTERRAR MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

O momento mais profundo
Foi meu pai olhar por baixo,
Dizendo: - É menino macho
E vai se chamar Raimundo,
Vou convidar todo mundo
No dia do batizado
Para ver ele abraçado
Por tudo quanto é amigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Para falar a verdade
Muita coisa lá faltava,
Mas minha mãe completava
Com o dom da maternidade.
Sobrava felicidade
Carinho e muito cuidado
E como fui contemplado
Muito agradecido digo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Cresci naquele sertão
Entre riacho e lagoa
Numa convivência boa
Sem saber o que é questão,
Nunca entrei em confusão
Para não ter intrigado,
Fui menino bem criado
E o sertão foi meu abrigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Nasci mesmo foi no mato
Na lagoa do arroz
Comendo baião de dois
Sem deixar nada no prato.
Não gosto de espalhafato,
Não creio no mal olhado,
Nem em feitiço botado
Mas me afasto do perigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Dona  Maria Vieira
A minha boa vizinha
Sentava toda tardinha
Num banco de aroeira.
Quando eu descia a porteira
Corria para o seu lado,
E o café já passado
Ela tomava comigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Nos  mudamos pra cidade
Eu ainda era criança,
Mas guardava na lembrança
Aquela localidade.
Eu não tinha a liberdade
Como tinha no passado
E como era danado
Tava sempre no castigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Depois vim pra Fortaleza
Mas não é o meu lugar
Pois não gosto de morar
Distante da natureza.
Posso jurar com certeza
Que sou matuto quadrado
E pode até ser pecado
Mas pra morar não consigo.
ENTERRARA MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Não posso ficar contente
Com a mudança radical
A vida na capital
É bastante diferente.
A gente vive carente
Comprando só enlatado,
Com um cartão ou fiado
Feito coisa de mendigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Sempre gostei de rimar
As coisas do meu torrão:
Os valores, a tradição
E os costumes do lugar.
Se alguém quiser falar
Que estou esclerosado,
Caduco e ultrapassado
Pode dizer que não ligo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Mundim  do  Vale
Várzea Aegre - Ceará

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