Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quinta-feira, 7 de julho de 2011

A CARA DO SERTÃO - Por Mundim do Vale.

Meu nome é Mundim do Vale
Do vale da precisão,
Nesse verso eu vou fazer
Pequena comparação.
Uma casa abandonada,
Um mendigo na estrada
É A CARA DO SERTÃO.

Uma galinha caipira
Catando pedras no chão,
Um couro velho espichado
Na parede de um oitão.
Um jegue atrás da jumenta,
Levando coice na venta
É A CARA DO SERTÃO.

Político botar no bolso
Dinheiro da educação,
Estudante pendurado
Em grade de caminhão.
Os mais pobres sem escola,
E os pais pedindo esmola,
É A CARA DO SERTÃO.

Um menino barrigudo
Comendo um taco de pão,
Um punhado de gorgulho
Na panela do feijão.
Uma casa de reboco,
E um doido dando cotôco
É A CARA DO SERTÃO.

Matuto vender o voto
No dia da eleição,
Candidato prometer
E depois dizer que não.
Um bando de periquito,
Bicho do nome esquisito
É A CARA DO SERTÃO.

Uma cigana sabida
Numa casa lendo mão,
Um cigano amigo dela
Fugindo com um capão.
Uma cachorra enganchada,
Menino dando pedrada
È A CARA DO SERTÃO.

Um cabra desesperado
Procurando confusão,
Dizendo que foi traído
Pelo filho do patrão,
Depois de tomar cachaça,
Fazer uma arruaça
É A CARA DO SERTÃO.

Uma ninhada de pinto
Arrodeando um pilão,
Uma panela de barro
Preta da cor de carvão.
Uma cuia de fubá,
E um prato de mungunzá
É A CARA DO SERTÃO.

Um velho contando histórias
Do tempo de Lampião,
Um buguelo beliscando
Rapadura num caixão.
Uma cabocla fiando,
E a meninada brexando
É A CARA DO SERTÃO.

Uma rabada de boi
Para fazer um pirão,
Um vidro de magnésia
Pra menino do buchão.
Uma velha fuxiqueira,
Num banco de aroeira
É A CARA DO SERTÃO.

Um retirante passando
Com destino ao Maranhão,
Um defunto transportado
Numa rede de algodão.
Uma porta com tramela,
Papagaio na janela
É A CARA DO SERTÃO.

Batizado de fogueira
Numa noite de São João,
Uma touceira de cana
Encostada a um cacimbão.
Os versos de um violeiro,
Tipo Expedito Pinheiro
É A CARA DO SERTÃO.

Um cachimbo sendo aceso
Na brasa de um tição,
Uma menina com frio
Se aquecendo no fogão.
Um garoto desnutrido,
Com o pescoço encardido
É A CARA DO SERTÃO.

Menino se esgoelando
Porque perdeu um peão,
Cachorro dentro do forno
Assustado com trovão.
Moça atrás de matrimônio,
Com o pau de Santo Antônio
É A CARA DO SERTÃO.

Um maluco perturbando
O vigário no sermão,
Um filho deixando o pai
Pra seguir Frei Damião.
Um Judas sendo furtado,
Pra depois ser enforcado
É A CARA DO SERTÃO.

Um curador de bicheiras
Querendo ser valentão,
Uma velha rezadeira
Curando com oração.
Crianças brincando à toa,
Tibungando na lagoa
É A CARA DO SERTÃO

Um folheto de João Grilo
Pendurado num cordão,
Cambista fazendo pouco
Do tamanho de um anão.
Um jogador de baralho,
Vendendo trança de alho
É A CARA DO SERTÃO.

Uma teima no roçado
Por conta duma questão,
Terminar depois em briga
De roçadeira e facão.
Como ninguém fica vivo,
O enterro coletivo
É A CARA DO SERTÃO.

Uma venda na ribeira
De querosene, sabão,
Bolacha, bombom, macaxeira,
Agulha, linha, botão,
Fumo, biscoito, rapé,
Imagem de São José
É A CARA DO SERTÃO.

Colocar pedra na cruz
Para pedir proteção,
Um menino na corcunda
De um pai de criação.
Uma cabocla faceira,
Descascando macaxeira
É A CARA DO SERTÃO.

Um cabra na roça alheia
Fazendo malinação,
Uma novia de porca
Assediando um barrão.
Um andarilho sem rumo,
Danado mascando fumo
É A CARA DO SERTÃO

Um arrancador de dentes
Que não cobra a extração,
Mas entrega ao paciente
Um santinho de eleição.
Faz ali uma costura,
Depois traz a dentadura
É A CARA DO SERTÃO.

Um surdo dançando valsa
Cego pedindo um tostão,
Uma gata no telhado
Aumentando a criação.
E um barbeiro gozador,
Dizer que aquilo é amor
É A CARA DO SERTÃO.

Um soldado de polícia
Discutindo com um ladrão,
As pastorinhas cantando
Na hora da comunhão.
O padre bem caladinho,
Danado tomando vinho
É A CARA DO SERTÂO.

Aluno na palmatória
Porque não deu a lição,
Um parque tocando xote
De Luís rei do baião.
E a moçada na varanda,
Esperando pela banda
É A CARA DO SERTÃO.
Mundim do Vale

2 comentários:

Claude Bloc disse...

Mundim,

Latada toda enfeitada
Lua branca, pé no chão
Sanfona preta e dourada
Pandeiro e violão
Muita menina faceira
Mulher falando besteira
É A CARA DO SERTÃO

Mundim do Vale rimando
Seus versos lá no oitão
O som de galo cantando
No armador um gibão
Uma casinha de taipa
Pois disso ninguém escapa
É A CARA DO SERTÃO

Baião de dois na panela
Garapa, milho, feijão
Café torrado no caco
Gergelim e agrião
Capote bem temperado
Carne de porco e de gado
É A CARA DO SERTÃO

De noite o céu estrelado
E o som de um violão
Fogueira, xote e xaxado
No peito a emoção
Saudade de um passado
Que sempre será lembrado
É A CARA DO SERTÃO

Um abraço


Claude - Flor da Serra Verde

Edilma disse...

Mundim,

Lhe conheço através de fotografias, do Sanharol e dos seus poemas maravilhosos.
Poesia das coisa simples do sertão que encantam e despertam a saudade da minha infancia na Serra verde e Assaré.
Obrigada a voce e a Claude por este sentimento verdadeiro.

Abraço !
Edilma