Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A casa grande
 - Claude Bloc -


Voltei à casa grande. A pouca luz interior de um fim de tarde dava-me a sensação de nunca ter saído dali.

Ainda na estrada sentia-me livre e com uma alegria inexplicável. Como uma criança que volta pra casa. Mas a casa, minha casa de infância, a cada vez que chego, ela me emociona e sempre que a vejo ali quieta, fica me fazendo perguntas que não sei responder. Aliás, tudo ali me faz sentir uma grande saudade e nenhum remédio poderia curar a falta que muita gente que circulou por essa casa me faz.

Dessa vez, subi os degraus do alpendre, um a um, bem devagar. Ao atingir o batente da porta fechei os olhos. Tateei a porta sentindo-me pequena. Segui de olhos quase fechados caminhando casa adentro. As paredes me diziam coisas que eu ia traduzindo aos poucos, passo a passo. Carinho, lembranças, histórias. Não achei quase nada de outras épocas pelos poucos móveis ali dispostos. As louças de minha mãe devem estar dispersas por aí, sabe-se lá nas mãos de quem. Há muita gente das redondezas que apostou que a casa ficaria abandonada depois da partida de minha mãe e foi entrando, e se apossando das coisas até não ficar quase nada. Só mesmo lembranças por entre a gente.

No canto do quarto de Mamy (minha avó) encontrei um pedaço do que foi meu guarda-roupa, sem mais gavetões, nem puxadores. Nada de envelopes quadrados, postais, letras de músicas, caligrafias de aparo - ouros raros – lá dentro. Há quanto tempo não escrevo uma carta? Perdi até o jeito...

Lembrei-me dos dias e das noites em que mamãe pacientemente tentava espantar meus medos noturnos. E do dia em que, eu esqueci as roupas no suporte da banheira, onde a água, gota a gota deslizava sorrateira empapando tudo, manchando a bela estampa florida que eu adorava, à medida em que a água perdia densidade com o calor do dia. Coisas de menina sonhadora, desligada, simples... Coisas de um tempo que não esqueço.

Na sala da frente, ainda obscura, a luz do quarto se refletia sobre  as duas almofadas cor de vinho. Postei-me lá quase imóvel, de lábios entreabertos, respiração forçada, esperando pelo cheiro da noite nesse lugar de mil silêncios.

Por que não escreveste um livro sobre a casa? Pergunto a mim mesma: essa alma sem asas, em arco, em queda... E não acho resposta. Apenas uma música que se denuncia – uma valsa longa e longínqua nas margens noturnas do açude.

No céu da madrugada chega a poesia, miríades, e, sob as pálpebras, a vontade de ficar ali.

Claude Bloc

4 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Claude,

Bela criatura esta que reconhece o regaço da criação e os braços de amparo dos ancestrais. Bela criatura que tem significado para cada cômodo do todo em se acolheu de sóis e chuvas, de perdas e conquistas. Bela criatura que escreve assim.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Faltou um que em "em que se acolheu de sóis....

Edilma disse...

Eu sou...

Fiquei ali quieta a esperar, sem me dar conta das luzes que se iam e viam num tempo infinito.
Mesmo de longe, sabia do sentimento que chegava de mansinho no pisar de cada passo quieto. Na volta todos são crianças a procura de algum brinquedo esquecido em algum canto da casa. Ficar quieta e sentir o respirar compassado na subida de cada batente antigo, é reviver os momentos de alegria de um passado distante. Sinto o bater apressado de um coração latente a procura de alívio para o sentimento sufocado, me faz bem...
Ao chegar no alpendre cada passo reviveu um momento nos olhos fechados da menina do passado tateando com as mãos feito brincadeira de cobra-cega. Era hora de ser criança outra vez e procurar pelo cheiro bom da memória das coisas que não voltam mais. Procurei em cada canto um objeto querido para sentir novamente o toque de suas mãos. E eles se foram, levando um pedaço de cada vida no seu destino misterioso. Se ainda restou uma lembrança num pedaço qualquer, foi como se reunisse todos os sentimentos em um só objeto. Os papeis se foram no vento levando palavras que não foram escrevitas. Mas ficaram os ecos dos medos da noite em que corria para os braços maternos a procura de alento. Na antiga banheira os mesclados da estampa se empreguinaram na louça esquecida. E na poltrona da sala, continuo ali a espera de cada um, que de vez em quando penetra no passado de mil silencios. Estou a esperar poemas e contos no relato do livro dos sonhos embalados pelo murmurar das aguas do açude e no bailar das lembranças da menina feliz por estar de volta mais uma vez na casa grande.
Eu sou a saudade...

Dihelson Mendonça disse...

Que maravilha ler um texto inspirador desses ( como Gabi diz um TESTO ), rs rs - Que faz com que a gente saia um pouco de certas realidades e adentre outra que talvez seja até mais urgente, mais importante.

Parabéns, Claude. Sua poesia dá cores ao mundo que nos cerca. Suas crônicas poéticas são invejáveis assim como esse fenomenal talento em transformar reminescências em belas aquarelas, que a exemplo de suas edições fotográficas, nos brindam com uma rara e pura beleza.

Um forte abraço,

Dihelson Mendonça