Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 12 de março de 2012

LEMBRANÇAS DO ASSARÉ - Por Edilma Rocha

Nos tempos de criança a simplicidade do lugar se completava com a companhia dos parentes mais próximos. Uma  cidade com poucas casas em torno de  uma só Praça, que já continha o próprio comércio.

Um mercado que exibia as carcaças do gado abatido dependurado pelos ganchos de ferro lá no alto, enquanto os vira-latas famintos aguardavam deitados pelas sobras, pacientemente. Em cima das bancadas a matança era completa. Cabritos, leitões e uma fileira de galinhas caipiras com porções de sangue em pequenas tigelas, agurdavam a freguesia. O ritual da faca do açougueiro lambendo a pedra de fogo me fazia tremer de medo.

A pequena loja de aviamentos enfeitava nossos cabelos com laços de fita de cetim e tafetá de diversas cores. Era o luxo das meninas que desfilavam nas calçadas todas as tardes.

Lembro de uma loja que vendia de tudo. Dos  pavios  das lamparinas até alguns móveis. Ali no meio da pequena cidade tinha  tudo que os moradores pudessem com pouca ambição, levar para casa.

Pela manhã acordávamos com o cheiro forte do café da torrefação do lado e aquele aroma se misturava com a brisa fria do despertar de mais um dia de férias. Ao abrir a janela já se encontravam os primeiros alimentos do dia. O pão quentinho embrulhado em papel e a garrafa com leite puro  que ficavam ali somente para a disposição da freguesia matutina. O lugar mais importante da cidade era o Largo da Matriz de Nossa senhora das Dores. E o respeito das pessoas pelo Vigário  era grande, como a de um prefeito ou delegado, que atudo dava a palavra final de conciliação.

Certa vez, no sermão da missa das cinco da tarde, comentou o desparecimento dos pães em algumas janelas das casas. Coisa que nunca havia acontecido.  Foi logo contratado um vigilante noturno que passaria a mudar o sossego de todos com um apito insistente nos despertando dos sonhos. Mas graças a Deus durou só uma noite pois o ladrão dos pães era um jumento que resolveu trocar o capim seco da Praça pelo pão  do nosso desejum.

Na Casa grande morava uma moça cria da casa, como era chamada, que fazia os trabalhos domésticos. Acordava bem cedinho, antes de todos e a primeira tarefa era apanhar água para o consumo do dia.
Decidi acompanha-la ao trabalho. Uma lata de Querosene vazia e bem limpa com um apóio de madeira, uma cuia e um pano torcido que chamava de rodilha, para proteger a cabeça. era tudo que levava nas mãos. O caminho não era curto, mas íamos conversando e a minha companhia parecia que lhe enchia de orgulho na apreciação do seu trabalho. Entramos  por um portão de madeira e encontramos uma mata verde que protegia um pequeno lago. Ela ficou de cócoras em cima de uma pedra plana e começou a fazer movimentos com a cuia afastando as pequenas plantinhas aquáticas que cobriam a água. E aos poucos enchia cuidadosamente a lata com água. Eu observava aquele lindo lugar com todo o verde e a pureza da água que não podia ser poluída com o suor do nosso corpo. Era um lugar sagrado. Descobri que todos da cidade dependiam da pequena lagoa. Por lá não existia água encanada, torneira e nem chuveiro.  A água era levada na cabeça da moça que não perdia a graça e equilibrava com força em 3 caminhadas de casa até a lagoa.

Ao chegar enchia primeiro os potes de barro da cozinha e depois uma tina no quartinho dos fundos que chamavam  de banheiro. Aquele líquido precioso não podia ser desperdiçado e na lavagem da louça serviam para o manuseio duas bacias de alumínio. Toda a sobra iria para o pé de uma antiga laranjeira ficanda entre as pedras do quintal.
Era um lugar de poucas chuvas naquele sertão e ao meio dia o calor do sol forte tornava quente o descanso do almoço, razão porque os telhados eram tão altos.

Ao descobrirem as minhas façanhas no amanhecer do dia no trajeto das água, fui severamente repreendida. E no sermão fiquei sabendo de que não podia acompanhar a moça no serviço da casa, pois era visita importante da cidade vizinha e não ficava bem.
_ O que iriam pensar ? Dei com os ombros...
Eu é que iria pensar daquele dia em diante sempre que abrisse ou fechasse uma torneira naquela moça bonita, de sorriso largo e que em nenhum momento se queixou da vida que levava. Pensar na importância que seria para mim tomar uma chuveirada deliciosa com as águas que corriam através dos canos vindo lá da nascente do Crato.

Edilma Rocha
( Ofereço mais uma vez este texto ao amigo Evaldo)




3 comentários:

Claude Bloc disse...

Comentário recebido por e-mail:

Edilma,

Com sua aguda e privilegiada memória, você conseguiu registrar com muita acuidade e nitidez as características cotidianas daquela época em Assaré.

É com muito prazer que lhe agradeço a dedicatória da sua crônica, a qual me fez relembrar com muita saudade, dos meus tempo de menino em minha terra natal,

Evaldo

Claude Bloc disse...

*tempos

Claude Bloc disse...

Edilma,

Seu senso de humor é uma característica que lhe é peculiar. Essas suas crônicas são deliciosas de ler e têm como base uma história verdadeira. Amaneira de você contar é que faz a diferença.

Abraço, mana!

Claude