Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Lupeu Lacerda - Por: Gustavo Rios



Ele possui livros beat nas estantes. Uma literatura furiosa e atenta. É artesão, escritor. Já foi vocalista de banda de rock, carteiro, dono de bar, editor de fanzines e lançou “entre o alho e o sal” (editora Kaballah, 2007) seu primeiro livro. Um puta livro de poemas que, ainda que eu tentasse, não conseguiria descrever de forma sincera e convincente. Ao menos nessas poucas linhas introdutórias. As perguntas abaixo servem para apresentar ao leitor um pouco desse sujeito. Seu nome é Lupeu Lacerda. Ou Paulo Luiz Matos de Lacerda. Mais eu não digo.


Gustavo Rios – Fale um pouco sobre sua trajetória como poeta e artesão. E seu livro? Como ele chegou a ser publicado?Lupeu Lacerda

- Bom, digamos que você não me conhecesse. Daí eu diria, caso fosse de meu interesse: meu nome é Paulo Luiz Matos de Lacerda. Nasci no ano de 1965, no mês das bruxas e dos maus olhados: agosto. Vim assim: a gosto. Quando conheci a rua fui rebatizado. Virei Lupeu. Ou talvez, me viraram Lupeu. Era um Zé Mané em matéria de esportes – ainda sou – daí que entre ser o babaca que nunca alcançava a bola e o babaca que se enfiava na biblioteca, optei pela biblioteca. Sempre detestei José de Alencar, Machado de Assis e todos os outros escrotos que me obrigavam a ler. Mas me amarrava em livros estranhos. Um dia vi uma menina bonitinha recitando. Acredito que deve ter sido o início de minha adolescência eterna. Me imaginei recitando também. Escrevendo também. Começou daí essa punheta diária: rabiscar, rabiscar, rabiscar. O artesanato entrou na minha vida pela veia aberta do Cariri. Tenho um amigo muito querido, que é - sem sombra de dúvida - o melhor escultor do Brasil em porcelana fria. O nome dele é Pebinha, e ele tem um trabalho do caralho, exposto em um blog chamado "fécula e arte". Bom, eu tava fodidão da vida, ainda era casado e tinha que sustentar um monte de gente. Eu tinha um bar. E por conseguinte, bebia todo o meu lucro e muitas vezes meu capital também. Um dia ele me perguntou: quer aprender? Quis. Até hoje continuo querendo. Até hoje o imito. Até hoje sou muito grato a ele. E é assim. Meu livro, na realidade nunca foi publicado. Saca? É que sinto que a "prosa" porra louca que em mim habita é irmã bastarda da "poesia" que me invade, como uma militante das Farc cheia de pó até os ossos. O "entre o alho e o sal" é parte desse livro. Que escrevia antes de sonhar que ele existia, e que continuo escrevendo. Mesmo sem saber se um dia ele vai terminar, continuar, mudar. O que sei é que ele me muda. É a porra da minha escrita que fala por mim. Aliás, minha escrita é minha porra.

G.R. – O que anda achando da poesia que é feita hoje em dia? Ainda há chances de coisas verdadeiramente boas surgirem ou, de fato, estamos vivendo um período de literatura medrosa, sem aquele arrebatamento, aquela pegada?L.L.

- A poesia feita hoje... certeza cara. Tem muita coisa boa. E muito lixo também. Muita merda adocicada pela mídia. Até porque escrever ficou fácil pra caralho: o cidadão tá entediado em casa, liga o computador, escreve lá meia dúzia de "drops de anis" e sai feliz e satisfeito. Leio de tudo cara. Fuço sites de poesia, blogs, e mais uma porrada de livros que me caem nas mãos e tenho uma certeza: a "pegada" vem da luta. Da rua. Do conhecimento "explícito" da dor, do amor, da putaria, do filme, da briga, do porre, etcéteras eternas. E essa "pegada" o cara reconhece de cara. No estalo. Você pega um livro do Manoel de Barros, ou do outro Manuel, o Bandeira, e "vê" a pegada. O arrebatamento. A ligação total do cara que escreveu com o que foi escrito. Até porque sem pegada? O livro vira coisa. Papel rabiscado no chão da sala. Coisa pra enfeitar estante.

G.R. – De alguma forma sua escrita já foi tachada de anacrônica ou setentista? Se foi, o que justificaria tais opiniões?L.L.

- Tenho isso como carma meu camarada: discuto como um anarquista. Sou fã dos tabus alheios. Escuto rocks daqueles gordões, cheios de notas e solos e vocais aloprados. Tenho em minha estante uma porrada de livros "beat". Dizer que isso não é influência, é piada. Considero isso até um elogio. Ser considerado anacrônico em um tempo em que se compra "áudio book" por preguiça de ler, é genial. E sobre os anos setenta, os fabulosos anos setenta... pra mim, meu amigo, os anos setenta são o "iluminismo" do fenômeno pop. Da melhor tradição do pop. Tudo foi mais ou menos esquentado na panela dos setenta: o sexo sem botão de stop, as drogas maravilhosas, a arte sem algemas. Que mais posso dizer? Quem diz que sou setentista diz com sabedoria. Quem me chama de anacrônico, tem moral pra dizer. Porque "moral"? Por que só pode fazer um comentário desses se me ler. E aí meu amigo, a vantagem é minha.

G.R. – O que poderia justificar a tradição que a região do Cariri tem de movimentar cultura nas diversas formas? Isso ainda hoje te influencia? L.L.

- O Cariri é minha Pasárgada. E lá eu não sou amigo do rei. Mas todos os réus são meus amigos. Se ligue numa coisa, Guga: crescer em uma terra em que o artesanato é fonte de renda. Ter como vizinha uma cidade carinhosamente batizada de “Craterdã” (em homenagem a mais famosa: Amsterdã). Pra mim, o rock de verdade é o que é feito lá. A música de lá é mais bonita. Os escritores são mais viscerais. A cerveja é mais gelada. A cocaína é mais batizada. Poderia te citar um monte de nomes, de pessoas que são ainda hoje uma puta referência pra mim, pro Ceará e se bobear até pro Brasil. Mais ia ficar longo demais o texto. Pra quem interessar, procura o Cariricult, o Blog do Crato, o blog do Carlos Rafael Dias, do Marcos Vinícius. Porra! Só entre esses poucos você vai achar cinema, jazz, poesia, prosa, crítica ácida e acima de tudo: beleza e honestidade. Se influencia? E como meu amigo. E como.

G.R. - Recentemente, na revista / blog Cariricult (www.cariricult.blogspot.com), li textos em que você critica participantes que lá escrevem – alguns até amigos seus, se não me engano -, chamando-os de "doutorzinhos". Você acha que a cena do Cariri anda menos poética? Qual seria o motivo? L.L.

- A parada da "porrada" nos doutores-zinhos na Cariricult (www.cariricult.blogspot.com) foi coisa minha. Pessoal. É mais uma fissura de ver textos menos "pró-LIXO". De poder falar de arte e cultura sem meter meia dúzia de títulos como se isso alavancasse um discurso de merda. Quando a porra é verdadeira, um motorista de táxi ou Wim Wenders tem o mesmo peso: uma história legal pra contar. Quando não tem punch, pode botar em letra dourada que dá na mesma merda.

G.R. - No seu blog Séquiço Sacro e em teu livro, dá para sacar uma sinceridade absurda. Voltando aquela velha história da verdade e da literatura misturada com a vida, existe possibilidade de diferenciar o narrador Lupeu – o cara que escreve meio distante da coisa – e o sujeito Lupeu, que escancara as portas e coloca a alma em jogo?L.L.

- No Séquiço Sacro eu sou o gerente, né? Daí que eu nem meto mais o pé na porta. Eu arranco as dobradiças. O Séquiço serve pra que eu teste personagens do romance que estou escrevendo, serve pra brincar de Deus, pra esculhambar, pra dar porrada e levar algumas. A coisa que você vê, a "verdade" em cada palavra, é sofrida pra caralho às vezes. No dia que escrevi pra me despedir da minha vó, eu chorei aquelas palavras. O Séquiço Sacro é a minha asa de Ícaro. Pode até não me levar até perto do sol. Mas dá pra dar uns rasantes bem legais.

G.R. – Você viveu num tempo em que para se ter algo "publicado" – ou para ser lido por outras pessoas - era necessário recorrer aos aparentemente extintos Fanzines. Fale um pouco sobre essa época.L.L.

- Os fanzines... o Séquiço Sacro nasceu fanzine. Puta que pariu!!! Datilografar a poesia, recortar, colar em cima de uma figura, montar a boneca, ir atrás de patrocínio, xerocar a porra toda, meter debaixo do sovaco e recitar na rua. Lembra da menininha que falei? A que recitou e eu me apaixonei? Pois então. Ela não gostou quando me viu recitando. O Séquiço Sacro "fanzine" durou um bom tempo. Por isso, quando pensei em montar um blog, o nome era óbvio. Tinha de ser "séquiço" por que mesmo envelhecendo continuo gostando de putaria. E "sacro", porque toda literatura, até a ruim, é sagrada.

G.R. - Atualmente existe literatura marginal? E a famosa tríade "Sexo, Drogas e Rock and Roll", ainda motiva a sua literatura? Quem você anda lendo?L.L.

- A tríade é moral. Ainda tem peso. Até porque os caras que importam, mesmo, na literatura dita "nova" estão todos beirando os quarenta. São caras que tiveram a sorte de ter na tríade uma possibilidade de se conhecer. De conhecer os "da tribo". De assimilar o gueto. De até, em alguns casos, sobrepujar o gueto. Se tornarem populares sem perder o peso e a "sustança". Lógico que não dá pra dizer a essa galera nova que sexo, drogas e rock and roll tornam alguém melhor escritor. Porque isso não é verdade. Nunca foi. Toda forma de estímulo é só isso: um estímulo. A noite é uma droga bacana. A velocidade é uma droga do caralho. Mas a escrita, a arte, vem com o artista. Daí que rola o trabalho braçal. E o que é bom, às vezes se sobressai. Sempre vai ser isso velho: talento? Dez por cento. Os outros noventa? É subir ladeira carregando pedra. Eu continuo lendo uns caras porra louca, meu querido. "Confissões de um comedor de ópio" de um cara chamado Thomas de Quincey, e "Bom dia para os defuntos", do Manuel Scorza. Dois petardos de literatura. Aconselho e recomendo.

G.R. - Morar em Juazeiro da Bahia, longe dos chamados "centros" ou das famosas "metrópoles", onde supostamente tudo acontece, te limita de alguma forma? Ou não muda muita coisa?L.L.

- Juazeiro da Bahia, Petrolina. São cidades em que não é fácil se morar, meu camarada. Lógico que quem mora aqui e gosta de arte fica puto de quando em vez. Mas fazer o quê? Tem a sobrevivência. O trampo que paga as contas. Entre outras cozitas. Com relação à limitação eu não acredito. Quem tem um trabalho, ou quer fazer um trabalho, acho que independe do local onde está. Faz o trabalho. Se ele se justifica, a mágica ajuda. No meu caso, no "entre o alho e o sal" a mágica rolou pela mão de Ângelo Roncalli e parou nas mãos de Sidney Rocha. Acho um puta livro. Bonito. Que foi gerado entre dois juazeiros, o da Bahia e o do Ceará. Tudo interior, né? É que meu interior é exterior geral meu camarada.

G.R. – Fale de seu novo livro em andamento. Alguma previsão de publicá-lo? L.L.

- O novo livro é um mistério até pra mim. Sei que é um condomínio. Onde todos os meus fantasmas (inclusive os vivos) moram. Sei que rolam poetas e músicos. Que rolam freaks e filhos da puta. Que morrem e matam com desenvoltura. Que escutam bebop e heavy metal no café da manhã. São sujos, e tomam banho demais. São santos e vão todos pro inferno. Viu? É um mistério. Que já tem quase cinqüenta páginas. E que ainda não tem um corpo definido. Viu? É isso meu camarada amigo. O livro novo é minha vida. E minha vida é isso.

Serviço

Livro: “entre o alho e o sal”



Blog: www.sequicosacro.blogspot.com

Contatos: lupeulacerda@gmail.comEste endereço de e-mail está sendo protegido de spam, você precisa de Javascript habilitado para vê-lo
Sobre o livro: http://www.overmundo.com.br/overblog/a-poesia-incendiaria-de-lupeu-lacerda

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