Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sábado, 23 de janeiro de 2010

Anos Azulados - por Socorro Moreira



Nasci na década de 50, em agosto de 51. Nada existia de plástico, quase nada de enlatados . O doce era caseiro, o parto era doméstico, tudo se comprava na feira, até o rouge das moças, que não eram tímidas!
Mala de feira, geladeira a querosene, água de quartinha, pote de barro, caneca de alumínio, formas de sonhos (salpicados de açúcar e canela) e chupetas de umburana.
Minha primeira caneta foi Parker; mata - borrão, tinteiro, merendeira, goma arábica, farda com avental, caderno de borrão e caligrafia... De tudo isso só ficou o lápis-de-cor para avivar lembranças!
B A BA... Bá! Soletrávamos para aprender a ler, e depois partíamos para o mundo dos Contos de Fada, das Sherazades, dos Ali Babás... Acho que não perdi um conto, de todos os infantis! Quando a biblioteca se esgotava, a gente botava o povo grande pra inventar estórias, mesmo que fossem mentirosas que não terminassem com uma bela festança, e o desencanto dos sapos! Os personagens eram sempre órfãos, pequenos condes, princesas, madrastas, e um lobisomem. Meu sonho maior de consumo era ganhar uma varinha mágica, com o condão de me fazer moça, antes de ser tia; lua-de-mel no casamento, sem viuvez por chamados de guerra, impaludismo, angina do peito, e por aí afora! Foram tantos os pedidos, que vivi a lua por inteiro, e o sol, no pingo do meio dia!
Existiam as radiolas, tocando seus mambos, suas babalús, seus boleros, e samba - canções .
A Usina de Algodão dos Alminos era o nosso relógio. Ainda existiam as sirenes, nas escolas, avisando recreio, hora de cantar um hino, hora de correr pra casa, e se ocupar das fadas! Minha infância foi num mundo encantado, e mal - assombrado... Escapei das varíolas, cataporas, e falsos crupes... Nas mãos de Dr. Eldon (o meu preferido), Tarcísio Pierre, Júlio Felício, Macário, Gesteira, a gente vivia!
As mães também cooperavam com leite do peito, e comida natural... As modistas nos vestiam com tecidos de Anarruga, Lese, Filó, Tule, Organzas, Cambraias, sem dispensar as Chitas, nos dias de quadrilha. Zenira Cardoso marcava os nossos passos com sotaque francês, e energia festiva.
Hugo Linard já tocava acordeom... Era o caçula de todos os músicos! Os demais eram seresteiros, ou faziam parte da Banda Municipal com todos os dobrados da alma!
Festa de Padroeira tinha tontura de carrossel, cheiro de filhoses, e gosto de caldo de cana. Pipocas... Ora bolas! Chicletes Adams ou ping-pong!
Amendoim Torradinho, nos saquinhos ou no vinil... Mesmo que o corpo, ainda estivesse branco, longe da Cor do Pecado.
Ninguém aprendia a ler, sem passar pelo Externato 5 de Julho, sem conhecer Dona Anilda Arraes, Dona Chiquinha Piancó, Dona Rute e Dr. Zé Newton, Madre Feitosa, Monsenhor Montenegro... Sem falar nas freiras do Sta. Teresa, Patronato, que guardavam no internato, as meninas de outras cidades! O Ensino Público era valorizado, e nada deixava a desejar aos Colégios Particulares! Ser professora primária era o pódio da maioria das moças!
As Academias eram nas calçadas, com muito pula-pula , ou pra achar o cinturão-queimado. Os meninos jogavam futebol para entortar as pernas, e as meninas jogavam chibiú para encontrar o equilíbrio, nos malabarismos domésticos!
Quem não teve uma foto "by" Telma Saraiva? Quem não tomou sorvete em Bantim? Quem não usou Angel Face, Cashemere Bouquet, Vale Quanto Pesa, creme dental Gessy, Contourée, Madeira do Oriente, e perfumes da Coty?
Crato das noites frias de junho, dos balões encantados, das amplificadoras e rádios... Tocando "O GUARANI" ou "LENDA DO BEIJO ".
Calcei sandálias pisa-na-fulô, fiz primeira comunhão em traje de noiva, e arranjei os primeiros namorados, desfilando na Praça Siqueira Campos ( com saltos) ou nas procissões (com farda de gala). As tertúlias nas casas de família, os passeios nos açudes e cascatas eram permitidos... Faziam a nossa felicidade!
Tenho lembranças tão antigas, que a minha mãe diz: "Eu tenho é medo que você se lembre da hora em que nasceu". Tava muito escuro de onde eu sai. Precisava da luz desta cidade cearense, e não tive dúvidas: cheguei, sem vontade de partir!

9 comentários:

Maria Amélia Castro disse...

Help!!

Como vc faz isso com a gente? Com os anos azulados fiquei avermelhada de saudades.
abraços
Maria Amelia

Maria Amélia Castro disse...

Help!!

Como vc faz isso com a gente? Com os anos azulados fiquei avermelhada de saudades.
abraços
Maria Amelia

Edilma disse...

Socorro,

Senti-me como que invadindo o seu livro diário que sem querer deixou, sem o seu cadeado...
Voltei a infância e passei pela adolescência e descobri que vivi muitos sonhos ...
Mas ficou o seu diário escondido no armário, hoje revelado...

Amei, e li tudinho....

Beijos !

Corujinha Baiana disse...

Sauska,

Foi um verdadeiro deleite esses "Anos Azulados".

Um abraço
Corujinha

socorro moreira disse...

Pois é , Maria Amélia, desses anos azulados, nasceu nossa amizade, que perdura !
Abraços, querida !

socorro moreira disse...

Edilma,

Acho que temos em comum algumas páginass dessse diário... !

A Rua da vala é um bom cenário !


Grande abraço, amiga querida !

socorro moreira disse...

Corujinha,


Nossa geração se irmana, nas lembranças !

Vai ver que é porisso que gostamos tanto de todas as artes !


Grande abraço, amiga !

jair rolim disse...

Socorro belissimo conto, admiro sua prodigiosa memoria que sempre nos brinda com essas maravilhosas lembraças. Tive minha infancia até os nove anos no Crato. Morava na Casa dos Leoes entretando fui privado de vivenviar o cotidiano daquela época. Hoje vivo a busca daquela tempo.
Parabsens
Jair Rolim

Unknown disse...

Esse texto me encheu os olhos de lágrimas e o coração de saudades do Crato e de toda a pureza daquele lugar que tem uma energia que me entusiasma, me encanta e me faz forte.

Parabéns a autora do texto. Sua forma de escrever está embuida de um sentimento muito forte e verdadeiro que até quem não a conhece e nem dividiu com você estes momentos se encanta e é como se tivesse vivido tudo.

Um forte abraço,
Edivângela