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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

JÁ TEM DÔCE PRONTO ? - Por Edilma Rocha


Sua voz era grave e rôuca. Cabelos claros, olhos azuis, saia rodada, um enorme avental e arrastava um par de chinelos de couro pelo chão.
Uma tia avó, tradicional merendeira do pequeno lugar.
Meus olhos infantis mergulhavam no cenário diferente da casa de lanche. A cozinha no fundo, abrigava um enorme fogão à lenha e as labaredas do fogo tremiam no meu olhar de espanto. Por cima das lascas de lenha, as linguas de fogo pareciam dançar saltitantes entre amarelos e vermelhos. O calor era sentido a certa distância me deixando incomodada e curiosa. Todo o trabalho iria começar...
A merendeira trazia nas mãos com muita dificuldade e cuidado, um enorme tacho de barro onde despejava uma quantidade de leite puro e perfumado. De uma lata ao lado, enchia várias medidas de açúcar um pouco escuro e ia despejando no tacho e misturando devagar. Diante da alta e forte cozinheira eu parecia mais franzina e pequena do que era na realidade. Olhos atentos observavam o vai e vem da enorme colher de pau, que por um instante mais parecia o remo de um barco rio à baixo. As paredes eram cobertas de fuligem negra e eu via as teias de aranhas no alto do telhado, brancas e brilhantes. Aos poucos se ouvia o barulho do borbulhar do dôce que começava a encher a velha casa com um aroma delicioso que despertava a fome no meu estômago. A côr do leite se tornava caramelada e se ouvia o som da colher de pau raspando o fundo do tacho. Era o sinal de que o dôce estava ficando no ponto, e falava com sotaque e rouquidão:
_ Tá quase no ponto !
Em silencio, sentada num pequeno tamborete, aguardava à chegada dos fregueses.
Eram retirados os pedaços da lenha e por cima das brasas depositado um flande que iria manter a temperatura por um tempo. O dôce era servido quentinho. Tinha apenas uma mesa e algumas cadeiras, arrumadas sôbre o chão de tijolos vermelhos. Curiosamente observava que os fregueses eram homens e chegavam sempre no mesmo horário com a mesma pergunta:
_ Dona Hortência, já tem dôce pronto ?
Pequenos pratinhos iam saindo hum a hum cheios de dôce de leite e eu corria feliz para levar as colheres de latão.
Um sorriso agradecido e satisfeito depois de um copo dágua se estampava nos seus rostos, para retornarem no próximo dia.
Estava chegando o tão esperado momento ...
Primeiro lavar a louça, depois guardar em potes de vidro o restante do dôce, e era a hora de raspar o tacho de barro com uma colher que de tanto uso, só tinha uma banda. O dôce era escuro , diferente do da freguesia, mas o seu sabor era especial. Sentávamos à mesa e madrinha Hortência, cantalorando um bendito da igreja, fazia pequenas bolinhas das sobras e as depositava num prato grande, uma a uma. E finalmente eu saboreava o mais delicioso dôce que a minha memória de criança guardou para sempre.
Edilma Rocha

6 comentários:

Claude Bloc disse...

Também quero doce!!!

Abraço,

Clauede

Edilma disse...

Claude,

Sabe de onde estão vindo estas histórias ?
Adivinha...
Ficamos chupando o dedo...
KKKKKKKK

Beijo !

Anônimo disse...

Edilma,

Achei essa historinha gostosa! Tem sabor de infância!

Abraços


Magali

Edilma disse...

Magali,

Estou muito gratificada em receber os seus comentários nas minhas postagens.
Tambem leio tudo que escreve e adoro suas historias.
Essas nossas recordações da infancia são realmente dôces...

Beijo !

Domingos Barroso disse...

Fenomenal!

Edilma,
que imagens maravilhosas,
um ritmo bom de ler (e ser levado),
com todo cuidado, leveza, presteza...

Parabéns.

Abraço carinhoso.

Edilma disse...

Domingos Barroso,

Quanta honra receber um comentário
seu por aqui.
Minha linguagem é simples, não possuo palavras dificeis no meu vocabulário.
Sou assim, falo pelos cutuvelos...
Essas histórias são janelas da minha vida...

Grande abraço !