Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

MANUEL DE BARROS – INCOMPLETUDE QUE COMPLETA - Por Stela Siebra Brito

Desde a primeira vez, sempre que leio Manuel de Barros fico desassossegada e quase completa, lendo tudo no deslivro da vida, alumbrada com gafanhotos e bem-te-vis. Desavessada e mais bocó ainda, bebo a água de rio e o canto de sabiás. Me poetizo toda para receber as completudes da natureza, o anteceder da noite e do dia, as conversas “profundas com as águas” .

Do “Livro sobre o nada” – Record, 1997

5.

Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

9.

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um
sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
existem
nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o condão de
adivinhar: divinare.

Os sabiás divinam.


Em “O Livro das Ignorãças” – Civilização Brasileira, 1994
Terceiro Dia

Passa um galho de pau movido a borboletas:
Com eles celebro meu órgão de ver.
Inclino a fala para uma oração.
Tem um cheiro de malva esta manhã.
Hão de nascer tomilhos em meus sinos.
(Existe um tom de mim no anteceder?)
Não tenho mecanismos para santo.
Palavra que eu uso me inclui nela.
Este horizonte usa um tom de paz.
Aqui a aranha não denigre o orvalho.

Do livro “Memórias Inventadas – A Segunda Infância” – Planeta, 2006
Bocó
Quando o moço estava a catar caracóis e pedrinhas na beira do rio até duas horas da tarde, ali também Nhá Velina Cuê estava. A velha paraguaia de ver aquele moço a catar caracóis na beira do rio até duas horas da tarde, balançou a cabeça de um lado para o outro ao gesto de quem estivesse com pena do moço, e disse a palavra bocó. O moço ouviu a palavra bocó e foi para casa correndo a ver nos seus trinta e dois dicionários que coisa era bocó. Achou cerca de nove expressões que sugeriam símiles a tonto. E se riu de gostar. E separou para ele os nove símiles. Tais: Bocó é sempre alguém acrescentado de criança. Bocó é uma exceção de árvore. Bocó é um que gosta de conversar bobagens profundas com as águas. Bocó é aquele que fala sempre com sotaque das suas origens. É sempre alguém obscuro de mosca. É alguém que constrói sua casa com pouco cisco. É um que descobriu que as tardes fazem parte de haver beleza nos pássaros. Bocó é aquele que olhando para o chão enxerga um verme sendo-o. Bocó é uma espécie de sânie com alvoradas. Foi o que o moço colheu em seus trinta e dois dicionários. E ele se estimou.

2 comentários:

socorro moreira disse...

Adoro, Manuel de barros !

Beijo, Stela !

Corujinha Baiana disse...

"Grande" Manoel de Barros!Sem nenhuma dúvida, o nosso "Guimarães Rosa" da poesia.

Um abraço, Stela.