Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sábado, 13 de março de 2010

Eita mundão sem cancela! - Emerson Monteiro

Por vezes o atendi na Carteira Agrícola, proprietário e ativo agropecurista era sempre alegre e conversador, buscava seus empréstimos ou acertava suas contas no Banco do Brasil. José Inácio de Lucena, conhecido por Zequinha Chicote, guardava a fama de homem disposto, membro de família tradicional de Brejo Santo, lugar de histórias aguerridas de um passado conhecido pela saga dos seus primeiros habitantes. Dele uma frase característica definia bem o jeito de ser:
- Eita mundão sem cancela! – de longe sabíamos quem chegava, no chiste acompanhado da mais sonora gargalhada que preenchia o recinto, introdução para início de conversa seguida dos assuntos diários, bancários, negociais, técnicos...
Todo colega gostava dele. Ouvíamos tantas vezes narrativas de sua liderança, o respeito que lhe tinham seus pares, as proezas pelas quais houvera de passar nos confrontos dessa vida. Dado ao que desse e viesse, jamais se dobrava às contingências.
Quase todo final de semana me deslocava ao Crato, para a casa de meus pais. Organizava o passeio saudosista preso às amizades que deixara, o gosto por literatura, bebida, rádio, namorada, saídas aos pés de serra, um apego exacerbado à vida adolescente em diminuição. Livrarias, cinemas, bares. Em poucas oportunidades ficava no Brejo, onde tomara posse no banco em junho de 1967. Raras ocasiões permaneci, apenas em dias de festa, de acontecimentos marcantes, ou movido pelo coração, nalguns momentos especiais.
Retornava nas segundas de madrugada, em uma rural azul pertencente a Tércio Siebra, colega que fretava o veículo à turma do Crato, Zé Vicente, Bartolomeu, Seu Zé Siebra, Zé Oton, que ficava em Barbalha, e eu. Certas viagens ocorriam ainda no domingo à noite. Outras, a maioria, nas madrugadas da segunda, ressacados, saudosos, sonolentos, apressados, a fim de chegar no tempo do expediente rigoroso.
Num desses fins de semana, lembro bem, retornei ainda no domingo de tarde. Na véspera, no Bar Alvorada, centro da cidade, bem na frente da praça principal, enquanto bebia com amigos, Zequinha Chicote morrera alvejado com disparos de arma de fogo.
Algo tocara meu sentimento ao saber da notícia. Era dia nublado, desses quase escuros que prenunciam chuvas no sertão, e saí pelas ruas desertas da tarde, a rever na lembrança a figura daquele personagem do nosso cotidiano, um mutuário da Carteira. Alguma coisa restaria a menos diante do universo de funcionários procedentes das variadas origens que ali se encontravam tangidos para o trabalho. Levávamos existência burocrática, meio estrangeira, sobretudo, daí uníamos nossas histórias às dos moradores do lugar.
Com a perda de Zequinha Chicote, dia anterior, se fechara cancela de alegria daquele mundão primoroso, o que cheguei mesmo a pensar alguma cancela houvesse, face ao grito recorrente quantas vezes escutado:
- Eita mundão sem cancela!...

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