Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

segunda-feira, 19 de abril de 2010

BISAFLOR CHEGOU PRA LER UMA HISTÓRIA

Bisaflor foi convidada para um encontro com professoras de uma escola municipal. Pensando em estimular a leitura de histórias em sala de aula, ela levou seu Baú de Histórias e espalhou o conteúdo na sala. Foi uma festa! No baú estava a primeira edição do Sítio do Pica-pau amarelo e mais outras relíquias.
No final do encontro, Bisaflor fez a leitura do livro

"GALILEU LEU"
Texto de Lia Zatz (Editora Lê, 1992)

Era uma vez um menino que lia.
Mas a professora dizia:
- ERRADO! REPETE!
E o menino sorria. Riso amarelo. E repetia.
Mas era só acabar e lá vinha nova gritaria:
- ERRADO! REPETE!
QUE AGONIA!
E o menino, agora, já não sorria. Nem lia. Inibia.
Tentava, forçava, se debatia,
mas na hora do vamos ver, insistia:
- IVO VÊ A LUVA.
- ERRADO, SEU TONTO! É “I-VO-VÊ-A-U-VA”.
Aí sim é que a estória começava.
Enquanto a professora corrigia, soletrava, dividia, o menino sonhava. Que um dia ia ser goleiro e que no próximo aniversário ia juntar trocado por trocado, o que ganhasse do pai e da mãe, do avô e da bisavó, da tia Maricota e da prima-avó Carlota. Tudo, tudo num saquinho, ia correndo na esquina, na loja do Bola Bolão.
Ficava na ponta do pé, que não alcançava o balcão, e agora ordenava, não mais mendigava, que lhe desse aquela luva, aquela mesma, pendurada no aramado.
Luva profissional.
“Agora vou ser o tal. Chega de dedo quebrado!”
- LÊ MENINO!
E o menino acordava, assustado, e era obrigado a ler o que a professora queria, mas... qual o quê! Só conseguia ver aquilo que sentia.
- ERRADO, MENINO!
REPETE!
O menino estremecia, endurecia e balbuciava:
- A CASA DA BIA É UM LIXO.
E a professora berrava:
- ERRADO! ERRADO! ERRADO!
É “A CASA DE BIA É UM LUXO”.
Mas o menino nem ouvia, divagava. Aquela Bia exibidinha que sentava bem ao seu lado e esfregava na sua cara o reloginho que trocava pulseirinhas, a canetinha cheirosinha e milhões de outras riquezinhas, só podia ser uma fedidinha.
- LÊ, MENINO!
E o menino pulava, se sacudia, acordava e lia:
- A PROFESSORA É BOBA.
- ERRADO! ERRADO! MENINO MAIS DESASTRADO!
É “A PROFESSORA É BOA”.
A classe inteira ria, gargalhava.
A professora quase desmaiava, ameaçava.
O menino, chora não chora, chorava.
E era obrigado a escrever pra aprender, pra não esquecer, 365 vezes
“A PROFESSORA É BOA.
O menino sentiu cansaço. A professora...
Sorte que chegaram as férias: tempo pra brincar, descansar e... pensar.
“Mas pó que sempre eu?”, pensou o menino, quando voltaram as aulas e a professora logo o escolheu.
- Lê, Galileu.
O menino estremeceu, mas nem tanto. Endureceu, mas nem tanto. E leu:
- Teco latiu, pulou e morreu.
O menino encarou. A professora sustentou e com olhar doce perguntou:
- Do que o Teco morreu?
O menino não entendeu. Será que tinha escutado? Será que podia respirar aliviado? E desatou a contar que seu cachorro Teco era levado, mal acostumado, mais do que amado, supercomilão, um cachorrão, muito brincalhão, um amigão...
Um dia saiu apressado, não ouviu o chamado...morreu atropelado.
O menino contou e chorou. Chorou e desafogou.
Foi um tal de ouvir estória de peixe morrido daqui e gato matado dali que, num instante, a classe toda soluçava...
E acalmava.
A professora olhava o menino.
O menino olhou a professora e agora, desestremecido, desendurecido, releu:
- Tico latiu, pulou e mordeu.
A professora aplaudiu, rodopiou e falou:
- Valeu! Sabe, gente, nessas férias andei lendo e relendo a Emília – Eta boneca danada!
Quem aqui conhece a Emília? Quem gosta de estória de fada?
Ninguém respondeu. A classe emudeceu. Era um olhando no olho do outro assim, assim, sem saber se tinha que dizer não ou sim.
Passou um minuto, ou três e a professora começou a tirar de uma sacola xadrez, de cada em cada, um monte de livro de estória, de bruxa e fada
e rei e rainha
e sereia e menininha
e futebol e bonequinha
e gigante e anão
e vampiro e dragão.
Quem quer que eu conte a estória do menino-goleiro-campeão?

Adivinhem quem primeiro levantou a mão?

Nenhum comentário: