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"

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sexta-feira, 4 de junho de 2010

E os cobras, onde estão? – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Dedicado ao primo e amigo José Flávio Pinheiro Vieira
Não faz muito tempo que as cidades do Cariri não tinham uma universidade. Muitos cratenses, por falta de recursos, não conseguiram concluir um curso superior por não existir na região aquele que correspondesse à opção desejada. Outros concluíam os cursos de Economia e Direito, ou os de formação para professores até então existentes no Crato, como História, Letras, Geografia e Ciências. Para os pais era um sacrifício incalculável manter os filhos estudando em um grande centro. Muitas famílias cratenses foram forçadas a migrar do Crato para Recife, Salvador, Natal, Fortaleza, João Pessoa e outros centros universitários para acompanharem os filhos que para lá seguiam, a fim de obterem uma formação profissional. Isso representava um grande prejuízo para a região, que se empobrecia com a partida de preciosos valores humanos.

O professor Manoel Batista Vieira, carinhosamente conhecido por Vieirinha por todos os cratenses, fazia parte da linha de frente de excelentes mestres que consagraram o Crato como cidade pioneira na educação no interior do Estado e centro cultural do sertão nordestino. Durante muitos anos ele lecionou latim e português em vários colégios do Crato.

A história a seguir me foi narrada pelo primo e cunhado Huberto Esmeraldo Cabral e confirmada pelo filho do Professor Vieirinha, o médico José Flávio Pinheiro Vieira.

Quando os filhos do velho Vieirinha precisaram ingressar na universidade, ele decidiu acompanhá-los. Requereu a aposentadoria e mudou-se para capital pernambucana.

Para o professor Vieira, homem afeito às coisas do sertão, acostumar-se a viver numa grande cidade foi uma dificuldade indescritível. Sua vida ali, no meio de tantos rostos estranhos, fazia com que para ele, os dias se arrastassem como se fossem séculos. Até que um dia, viu um aviso para seleção de professor de português para um colégio da rede pública. Após muito matutar, e incentivado pelo amigo Monsenhor Rubens Lócio, resolveu se inscrever. Ao chegar à mesa de inscrição, a funcionária perguntou de onde ele era e se possuía experiência como professor. Ele mostrou toda a documentação comprobatória, afirmando que era cearense de Várzea Alegre e lecionara por alguns anos nos colégios do Crato, conforme ela poderia observar em sua documentação. Ao verificar que ele era do interior cearense, a funcionária encheu-se de superioridade e desejando intimidá-lo perguntou: “O senhor vai ter coragem de se inscrever? Aqui só tem cobra!” E o professor Vieirinha respondeu: “É moça, não custa nada “os minhocas” enfrentarem ‘os cobras’.” As palavras daquela funcionaria encheram de brios o professor Vieira, que fez uma revisão apurada de todo latim e português, que havia aprendido em anos de estudos no Seminário do Crato e no Seminário Maior de Fortaleza, onde concluíra teologia.

Após prestar as provas exigidas pelo concurso, no dia marcado para divulgação do resultado, o professor Vieira voltou ao local onde fizera a inscrição e procurou a mesma funcionária. Ela começou a consultar a lista dos aprovados, procurando encontrar o nome dele de baixo para cima. E ele observava: “Olhe mais em cima, moça”. E ela continuava olhando os nomes em ordem decrescente. Quando já percorria a metade da folha, ela lhe disse: “É, parece que o senhor não passou!” E o nosso Vieirinha insistia: “Mas moça, olhe mais em cima, por favor. Bem mais em cima!” Ela, a contragosto, obedeceu, até que chegou ao topo da lista. E tomada de grande surpresa, exclamou: “Puxa! O senhor foi aprovado em primeiro lugar!” E nosso Vieirinha com a humildade e misto de bom humor que lhe eram característicos, perguntou: “Moça, e os cobras onde estão?”

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

9 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

É que as minhocas vivem ao mesmo tempo que formam o humus da terra. Quem só ver obra em volta si, acostumou-se às pequenas doses diárias de veneno. Mesmo uma simples secretária.

jose nilton mariano saraiva disse...

Carlos,
Como você o citou e puxando pela memória, nos veio à mente o dono de uma livraria alí na rua João Pessoa, perto da Siqueira Campos, que tinha esse nome - Vieirinha.
Era pai do Zé Flávio ???
O homem tinha uma paciência de Jó.

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Caro Mariano
Ainda hoje me vejo aos oito anos, com a lista de material escolar, livraria repleta e eu sendo atendido pelo Vieirinha, pai do Dr. Zé Flávio, casado com uma prima dos meus pais. Um grande homem que guardei na memória sua delicadeza e atençao. Abraços!

Daniel Boris (Jacques) disse...

Amigo Carlos é por essa e por muito mais que nos dar orgulho de ser cearense.Parabéns,Você me fez lembrar de uma boa,certa vez uns Doutores convidaram um sábio para dar uma palestra,e assim sendo todos reunidos, conversa vai,conversa vem e não notaram quando o mestre chegou,quando notaram,todos ficaram em silêncio e um deles falou agora fale sábio,ele respondeu,sábio é aquele que sabe escutar, então foi embora.
Um forte abraço.

Edilma disse...

Carlos Esmeraldo,

Parabéns pelo valioso texto em homenagem ao José Flávio, sobre o seu pai Sr. Vieirinha.
Fui colega de José Flávio no colégio Dom Bosco e ele já era o nosso cobra da turma.
Filho de cobra, cobrinha é !

Abraço !

Claude Bloc disse...

Carlos,

Adorei ler o texto. Trouxe-me lembranças saudosas de meu mestre.

Na verdade, Vieirinha não ensinou apenas em colégios do Crato. Ele foi meu professor de Latim e Português na URCA, quando eu cursava Letras.

Mas foi muito agradável relembrá-lo de forma tão jocosa, mostrando a matreirice que os cearenses têm e que era inerente a ele.

Abraço,

Claude

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Meus agradecimentos a José do Vale, Mariano. Jacques, Edilma e Claude por terem trazido suas contribuições ao texto. Vieirinha foi professor nos Colégio Estadual do Crato, no Dom Bosco e na Faculdade de Filosofia. Em Recife militou pela Universidade Católica. Huberto me contou outras tiradas engraçacas do Vieirinha que poderão ficar para outra oportunidade.

Abraços.

jflavio disse...

Agradeço ao Carlos Esmeraldo pelo texto tão bonito sobre o velho vieira que ainda tenho tão presente. O "Matozinho" foi na verdade um reencontro com ele após perda. Acredito que era o livro que ele gostaria de ter escrrito. Ele trazia consigo aquela irreverência dos varzealegrenses e teve a sabedoria de nunca levar a vida muito a sério. Como se acreditar num curta metragem em que o artista morre no final ? Zé do Vale ( meio primo meio irmão) acrescenta pontos interessantes ao texto. Agradeço ainda ao Mariano, à Claude,ap JAcques,à Edilma. Tenho uma grande dificuldade em escrever sobre o velho Vieira, no fundo, no entanto, acho que quando escrevo minhas potocas, apenas continuo seu ofício de Sherezade.
Grato a Todos !

Aloísio disse...

Carlos,
Através dos teus textos fico conhecendo mais o Crato e suas personagens.
Obrigado e abraços.