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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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terça-feira, 6 de julho de 2010

O arcaico e o moderno na vida das tias Hig-Tech - José do Vale Pinheiro Feitosa

Esta história demorou a chegar. As minhas tias Raimunda, Rosinha e Maria, com telefone celular, antena parabólica e internet vivem no mundo sem sair do velho e arcaico sertão do Potengi. Os sobrinhos netos dela nem tomarão pulso do que isso significa. E que no tempo deles definitivamente a vida rural que já foi o centro da civilização brasileira, haverá se tornado mais um compartimento urbano, com ar campestre.

Mas isso é apenas para contextualizar que elas, ao contrário vivem uma vida dual: ora acham que a vida real é no mundo e noutra a virtual no sertão. Invertem, por assim dizer, a equação. Resulta em algo diferente esta inversão?

Claro! Pensam em deletar a seca e dar um boot no calor na hora de dormir. Outro dia foi seu Chagas, com o velho caminhão que veio pegar uma carga de milho e deu problema no virabrequim. Tia Rosinha não disse nada para ninguém. Desde a varanda onde se sentava, ouvindo a carga de palavrões que seu Chagas acumulava no rol de seus pecados, pensava em dar um enter na ignição do velho Mercedes. Pelo menos aquela maquinação barulhenta esconderia tantas interjeições do velho motorista.

Outro dia pediram a Chico Véi para ir ao Potengi completar algumas coisas em falta na despensa. Deram o telefone celular de uma delas para se comunicar caso precisasse. Pois bem, de motocicleta, 15 minutos para ir, uma hora para malandrar e comprar e mais 15 minutos para voltar. Após uma hora e meia, tia Maria confirmou no relógio e resolveu ligar para Chico Véi.

Mandou brasa naquele botão verde do celular com tanta força que pensou até ter ouvido “luar do sertão” que era a chamada do telefone que estava com Chico. Foi rápido, dois toques e Chico atendia:

- Pronto!
- Chico?
- Ninhora!
- Onde tu tá?
- Aqui!

Tia Maria virou-se e viu Chico ao seu lado. E pensava que o telefone dela estava com defeito provocando eco na voz de Chico. Esta era a prova fatal de que tinham, pelo meio, modificado a mensagem. Não conheciam Mc Luhan, mas poderiam ir a Wikipedia e tudo se resolveria.

Reunião de emergência. Onde estaria o moderno e o arcaico? Qual o papel do mundo e o do sertão?

A discussão foi acalorada, com consultas ao computador e até telefonemas para os sobrinhos. Finalmente chegaram à sentença:

- Nem o mundo e nem o sertão são arcaicos. – Já haviam chegado às mesmas conclusões que chegaremos no futuro. Não tem mais diferença entre estes compartimentos.
- E o arcaico não existe mais?
- Existe sim senhor. Nem fique avexado.
- O arcaico somos nós. Quando este momento aí se equilibrar não vão entender nada de nós.

As Tias High-tech@arcaico.br.

Um comentário:

Domingos Barroso disse...

José do Vale Pinheiro Feitosa,
teu amplo conhecimento sobre situações surgidas de uma (aparente) observação entre o que se viveu e o que se vive além do tempo, gera este congraçamento de ideias. O Eterno Devir pode facilmente ser observado em nós mesmos, que até deixamos de ser arcaicos. Obrigado pelo exercício de reflexão. Não é tão simples contar uma estória "simples".

Forte abraço.

Quando aparecer em Fortaleza
bebamos e troquemos ideias.

eis o meu e-mail: lacaiodapoesia@yahoo.com.br