Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Noel Rosa...


Canções retratavam histórias particulares

As canções de Noel eram, por vezes, biográficas. As turbulências amorosas, a aguda visão da boemia, os percalços de marginais e carentes formam sua matéria-prima.

Nascido num bairro de classe média baixa, Vila Isabel, em 11 de dezembro de 1910, Noel teve infância comum. Adolescente, com o irmão Hélio, Almirante e Braguinha, formou o Bando de Tangarás. Aos 19 anos, na primeira canção, Queixumes, deixou-se levar pelo parnasianismo das modinhas: "Sem estes teus tão lindos olhos / Eu não seria sofredor / Os meus ferinos abrolhos / Nasceram do teu amor".

Com o amadurecimento precoce e as noitadas, aproximou-se dos "bambas". Era atento ao universo noturno que o seduzia. Fez sucesso ao reproduzir, como cronista, a efervescência desse ambiente. E a faculdade de Medicina ficou cada vez mais longe.

Maturidade poética marcou auge

Os elogios a Noel multiplicaram-se nos anos 30 e a presença no rádio, no "Programa Casé", tornava-o popular. Cantores como Francisco Alves compravam suas canções. Mas Noel critica os exploradores: "O meu dinheiro é macho e não cresce / Só o teu cresce, mas nunca aparece". Ora o poeta canta a Vila, ora os colegas de farra, com olhar terno à miséria que os espreitava. Temas sociais e existenciais eram incomuns no reduto dos bambas, que sempre cantavam casos amorosos e orgíacos. Mas, em Orvalho Vem Caindo ("O orvalho vem caindo / Vai molhar o meu chapéu / E também vão sumindo / As estrelas lá no céu / Tenho passado tão mal / A minha cama é uma folha de jornal"), a imagem poética do orvalho vai se desmoronando até revelar a situação miserável do eu lírico. Pleno domínio da linguagem e da denúncia.

Compreensão da paixão humana

Noel compreendeu o amor e suas dificuldades no pano de fundo da vida urbana. Como em Três Apitos:

"Quando o apito / da fábrica de tecidos / Vem ferir os meus ouvidos / Eu me lembro de você / Mas você anda / Sem dúvida bem zangada / E está interessada / Em fingir que não me vê".

Canção moderna, "baudelairiana", em que os discursos amoroso e social se unem de forma terna e dramática. A música é uma conversa entre o eu lírico e uma operária que não se dá ao luxo de namorar. Sabendo-a criatura da noite, sem poder abandoná-la, o eu lírico vira guarda-noturno para sustentar a amada. A imagem do apito ferindo os ouvidos do boêmio cria clara oposição entre a poesia e o mundo do trabalho. É o novo romantismo moderno, sem pieguices, anunciado por Noel.

Vida dupla marcou canções

Há duas mulheres importantes na vida de Noel. Obrigado a casar com a menor Lindaura, encanta-se pela dama de cabaré Ceci, e passa a viver dividido entre a mulher e a amante. Há canções que são registros fiéis da relação de Noel e Ceci, como Dama do Cabaré. Mas é raro vê-lo se levar pelo discurso grandiloquente do amor...

"Foi num cabaré na Lapa / Que eu conheci você / Fumando cigarro, / Entornando champanhe no seu soirée / Dançamos um samba, / Trocamos um tango por uma palestra / Só saímos de lá meia hora / Depois de descer a orquestra".

Há na letra as marcas de rimas inusitadas do poeta (soirée-cabaré, palestra-orquestra), além de ausência de refrão. A letra solicitava uma voz mais baixa, intimista, quase falada, bem diferente do gosto popular de então.

Último desejo

O poeta sofreu dois baques. O suicídio do pai, em 1935, e a tuberculose.

Bebida, noites mal dormidas, vida amorosa e dieta precária derrubaram Noel, que em 1934 foi a um retiro com Lindaura em Minas.

Recuperado parcialmente, 12 quilos a mais, volta ao Rio de Janeiro. Mas fica abatido com o fim definitivo de seu caso com Ceci, a boêmia e a doença. Em 4 de maio de 1937, morre. Dois meses depois, Aracy de Almeida grava a póstuma Último Desejo:

"Nosso amor que eu não esqueço, e que teve o seu começo / Numa festa de São João / Morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete, / Sem luar, sem violão".

O tom coloquial e terno volta. O fim da relação coincide com a ausência de imagens poéticas (sem luar e violão). Sem ressentimento, faz à amada dois pedidos, antagônicos, desses dispensados só a amigos ou só a inimigos. Típico de Noel.

João Jonas Veiga Sobral é professor de língua portuguesa, tutor educacional do Colégio Móbile e autor de Português Prático(Iglu)



Nenhum comentário: