Andei a pé pela cidade, como gosto de fazê-lo. Sol ardente de Outubro, cabeça refrigerada no tempo.
Santos Dumont, a rua da minha tia Ivone. Olhei para o interior da casa , aonde ela morou tantos anos. Procurei na vizinhança, Dona Madalena, Seu Pedro Felício, Dona Zélia, Evangelina , Dona Nadir ... Tudo virou comércio. E eu fiquei pensando como aquelas casas conjugadas, tão pequenas, abrigavam tanta gente.
Não existia o limite para hospedar parentes e amigos. O feijão sempre era suficiente. As redes eram armadas na cozinha, corredor, em cima das camas, mas tinham o cheirinho limpo das alfazemas , jogadas nos baús dos guardados. Hora de almoço, jantar, merenda, era uma festa de doces nos tachos e sequilhos nas latas.
Não lembro que faltasse à classe média a grana do básico. Os moradores da Batateira, que ajudavam nos serviços da casa , faziam sua feira com fartura nas quantidades : café em grãos, arroz, feijão de corda, farinha de mandioca,farinha de milho, goma, rapadura para substituir o açúcar, toucinho , corredor de boi para acompanhar o pirão.
Ganhávamos presentes seus, como cana , ovos caipiras , frutas diversas, feijão e milho verde.. Se não tínhamos eletro domésticos, eles também não. Os tecidos que iam parar nas mãos das modistas e alfaiates, faziam talvez uma pequena diferença. Entre a chita e a cambraia de linho, viviam as classes sociais : pobre e média !
O estudo era gratuito. As escolas públicas possuíam grandes mestras.Criei-me sem entender a preocupação de uma nota promissória, cheque especial, e dívidas no cartão de crédito. As pessoas tinham a paz dos não-endividados. Se vestiam repetidamente o mesmo vestido, sabiam esperar com paciência, as quatro festas do ano para a renovação do guarda-roupa :Padroeira, Natal, S.João e o dia do aniversário. Ano Novo pegava carona no Natal , e representava um dia , quase como um outro qualquer.
Eu sinto saudades dos quitutes que eram servidos nas festas de aniversários : galinha caipira desfiada, farofa dos miúdos, pastel de carne ,canudinhos, sequilhos, sonhos, bolo de carimã, beijinhos de coco, salto de cortiça, refresco de maracujá... Balas, chicletes e chocolates, no quebra-panela. Guardo o cheiro e o colorido dos papéis de beijos.Saudades dos meus avós, pais, irmãos menores , primos, tios, e colegas de escola.
Tudo passa. O leiteiro, o carteiro, o lenhador, o menino dos pirulitos, a zoada da máquina Singer pregando as sianinhas.
Os banhos ,quebrada a frieza, nas tardes do dia a dia. Meu caderno de caligrafia; Meu livro de leitura, meu mata-borrão... Onde estão? Virou lixo, virou chão !?
Hoje voltei aos tempos das cadeiras na calçada, das ruas mal iluminadas , e adormeci no colo de Donana .
Se existe o acontecendo, em várias dimensões, quero o meu avô vestindo caqui, juntando moedas de cruzados , para umas comprinhas de mariolas, na bodega de Seu Adauto.
Pedro II, a Rua que testemunhou minha primeira infância !
5 comentários:
Ô amiga, disseste tudo direitinho... bem evocado, bem descrito.Ô ô ô ô.................
(agora uma risada kkkkkkkk)
xeros
stela
Socorro,
Diante da madorra desse embate político que assola o país, seu texto foi água fria nos ânimos inflamados, foi paz, foi bálsamo.
Foi bom te ler.
Abraço,
Claude
Stela da Pedra Lavrada , Claude do Pimenta, o cuscuz está na mesa !
Podem abusar da nata do leite . O sal tá no ponto !
Abraços !
Socorro voce é porreta, voce é de lascar, parabens por este caminho que voce fez lindo e rico de saudades. Um beijo do seu admirador e primo. Edmar Cordeiro (Edcor)
Edmar,
Saudades do seu carinho e alegria.
É tempo de voltar !
Beijo
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