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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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domingo, 24 de outubro de 2010

Zé Bolinha leu Quadrinhos - José do Vale Pinheiro Feitosa

João Bolinha era um personagem travesso da revista Sesinho (dedicada ao público infantil pelo SESI). Não era muito diferente do que é Zé Bolinha, igualmente travesso. O que tinha de diferença soma-se pelos acréscimos do Zé. Este com tendência à cara azeda, um tanto macambúzio e com a síndrome do mérito – só ele merece.

As semelhanças são muitas. O João e o Zé são uma juntada de bolinhas ligadas umas às outras por fios. As bolinhas são independentes, apenas se movem por ação do fio que as liga. Por isso mesmo o único movimento coerente dos dois é quando alguém puxa os cordões. Isso não impede que manifestem suas almas de pivete (menino esperto).

A Sesinho era muito querida da geração que hoje passeia entre os 60 e 70 anos. E era uma revista que adotava os quadrinhos. Que eram vistos pelos olhares severos dos adultos letrados como um caminho para a preguiça intelectual. Mas aí Conceição Romão tinha uma livraria, precisava devolver as não vendidas e as editoras queriam apenas as capas, economia de transporte. As horas noturnas de então viram minhas pupilas de olhar sobre elas.

O Sesinho era, também, o nome do personagem principal da revista. Era um menino que respeitava os outros, assim como esses criados por avó. Arrumadinho, limpinho e com a postura de uma soprano no mais extenso de uma ária. Por isso mesmo que existiam os meninos em contraponto a Sesinho na sua turma: Bocão, Nina, Ruivo, João Bolinha e outros.

O Zé Bolinha, um personagem do vasto do Brasil, é notívago e por isso não gosta muito de turma. Também é duro agüentar o Zé. Se joga futebol quer ser o dono da bola. Gosta de provocar os outros, mas quando leva uma espanada, sai correndo para casa chorando, querendo que a mãe olhe dentro dele para examinar o quanto seu orgulho foi ferido.

As revistas em quadrinho são uma invenção, um modo de se movimentar, de inventar personagens e enredos inseparáveis da cultura americana. Falar em nacionalismo neste ramo é quase uma globalização. Os americanos chamavam os quadrinhos de “comics” e sua era de ouro aconteceu entre 1938 e os anos 50. Neste auge nasceram os super-heróis. Até hoje rendem filmes em série a Hollywood.

Zé Bolinha, diferente de João Bolinha que frequentava apenas a turma de Sesinho, deu para se acompanhar de uns personagens “sinistros”. De cara amarrada, com um palavrório de chumbo, idéias de deixar a idade média vermelha de vergonha e tão radical que nem as bulas papais podem tanto.

Pois personagens idênticos aos amigos de Zé Bolinha que acabaram o ouro da era dos quadrinhos. Os acadêmicos ligados à Psicologia e área de comportamento, nos anos 50, abriram as baterias contra o ouro da era e foi criado o Código de Ética dos Quadrinhos, levando à queda no número de leitores.

A turma do Zé Bolinha, com uma longa ficha corrida de censura, pauladas em quem pensa diferente e age do modo não convencional pela convenção deles mesmo, fazem uma cruzada pela liberdade de expressão. Na verdade com uma flor na mão e um porrete na outra. Precisam “limpar” a área para criarem o código de censura do pós-moderno, aquele mesmo do “fim-da-história”.

Se o ouro era americano, não menos importante foi para a nossa inseminação a fabulosa história em quadrinho francesa e, agora, os japoneses nadam de braçada no pedaço. O Brasil abriu alas no ramo através do Tico-Tico no inicio do século XX, imitando uma revista francesa. Lançada numa quarta feira, dia 11 de outubro de 1905, a revista seguia o modelo da revista francesa “La Semaine de Suzette”.

O Zé Bolinha deve ter lido O Tico Tico. Ele é cisne do canto derradeiro, daqueles idos que já queimou muitos anos. A revista passou mais de vinte anos com o mesmo preço. Não existia a moda da inflação. Mas esta tal de inflação é o bicho que rói o sólido das instituições. Assim como as bolinhas provocam uma inflação de ética.

Um dos gênios do desenho da revista foi o cearense, de Fortaleza, Luis Sá que desenhava figuras arredondadas e que se tornaram o “must” dela. São dele: “Réco-Réco”, “Azeitona” e “Bolão’. Ela não teve rival à altura até a década de 30 quando os quadrinhos americanos invadiram a América Latina.

Zé Bolinha deve ter sido aficionado dos Gibis. Que virou um genérico dos quadrinhos, que o Zé, como meizinha, quis patentear como dele, na maior, apagando o nome do verdadeiro pai dos genéricos. Na verdade era uma revista com este nome e do particular virou o geral. Desta época tem a história da Editora Ebal, de Adolfo Aizen. Esta deu muitas alegrias à molecada do tempo de então.
Mas assim como o samba fez a antropofagia da invasão jazzística dos anos 40, o quadrinho brasileiro também tem sua bossa nova. As nossas tiras nos jornais, no estilo charge, são desenvolturas aqui deste povo. E isso não começa no século XX, já vem do XIX com o trabalho pioneiro de Angelo Agostini.

Igualmente é preciso fazer com Zé Bolinha e sua turma. Fazer a antropofagia desta variedade e torná-la mais viva na nossa alma como elemento que cria uma outra linguagem. Nem a de apenas uns ou somente outros.

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