Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sábado, 8 de janeiro de 2011

POR ENTRE SAUDADES - Por Edilma Rocha


O meu coração se encheu de expectativas ao entrar no carro rumo a Fazenda Serra Verde depois de tantos anos. Ao meu lado Ricardo e Claude e lá estávamos nós, os três entre sorrisos e prosas ao encontro de Rita, nossa guardiã da infância.
Quando saímos do asfalto e entramos  por uma  estrada de calçamento em Dom Quintino, era realmente o começo dos encontros com os antigos moradores que se instalaram por ali.

As casinhas simples de um colorido vibrante abrigavam os amigos da Fazenda que nos recebiam com alegria novamente. Um delicioso café com bolo de milho lembrava o passado e um picolé de castanha guardado no congelador demonstrava a atualidade. Nos quintais o recanto das flores, das cascas de laranjas ao sol, das galinhas e dos porquinhos como a esperar o clique de nossas máquinas fotográficas.

Registramos tudo. Tudo era festa com a nossa chegada, até o gatinho amarelo brincava de esconde- esconde com um filhote de cão por entre as pernas de Ricardo. A amizade pura entre supostos rivais já representava o caminho para a Fazenda França Livre.
E lá estávamos nós entrando na estrada de terra, antigo caminho para a Serra Verde. Não nos incomodava o sacudir do carro por entre as pedras da estrada sinuosa e empoeirada. Grande foi a emoção quando nos deparamos com o arco que faz a divisa das terras. Dali por diante estávamos na Serra Verde.  A velha estrada até a subida do Morro do Cabloco, passando pelos pastos da engorda e as ruínas do engenho de cana de açúcar.

Coração apertado e chegamos ao sangradouro do açude que nos levava até a antiga escola e depois a Igrejinha de Santa Joana D'arc. Depois da curva logo após a subida, lá estava ela, a casa da Fazenda, ainda de pé desafiando as intempéries do tempo.
Foi um momento de emoção ficar por alguns instantes a contemplar aquele lugar tão cheio de lembranças. Não mais encontrei meu pé de Cajarana com nossos nomes gravados em fantasias infantis e juras de amor e nem o colorido das flores do imponente Buganville que enchia de beleza a frente da casa. A escada rachada, as telhas da varanda que não a protegiam do sol e da chuva por inteiro e a pintura desbotada deixando visível as marcas do tempo. Mas a velha plaquinha de flandre pintada, ainda continuava ali com os dizeres " França Livre".

Escolhi para um ângulo fotográfico um monte de arames jogados num canto tal qual uma trincheira de guerra a proteger dos inimigos a vida ainda viva nos descendentes que ali passeiam. Cada canto uma saudade e a cada passo um pedaço de nossas vidas.

A sala grande com a velha estante cheia de livros, o corredor, os quartos, a sala de jantar e a cozinha com o mesmo fogão a lenha que preparou tantas delícias para nós depois das cavalgadas. Estava tudo a nossa frente, real e palpável. O quarto de Dona Janine com a linda vista para o açude e lá fora a natureza continuava exuberante. Se  lá dentro  os antigos habitantes não estavam mais ali para pintar e consertar os estragos do casarão, lá fora Deus tomou conta de tudo. No azul do açude com o morro do Cabloco refletido nele feito um espelho de luz e cada plantinha, cada flor e cada árvore.

Corri cada canto do lugar e reencontrei os moradores que permaneceram para receber com alegria os meninos das férias do passado, hoje adultos e cheios de sabedoria. Na noite coberta por estrelas a brisa fria que cobria de orvalho o verde da Fazenda como um verdadeiro milagre para preservar a beleza natural. O silencio enchia o coração de paz e tranquilidade numa verdadeira fuga do stress e novamente estávamos os três amigos irmãos sentados no sofá da sala a relembrar antigas histórias. E ao pisar o  assoalho, o ranger da velha madeira nos dava a certeza da presença de Papí, Mamí, Hubert e Janine a nos acolher novamente. A casa era a mesma, mais sem a vida de outrora e a falta das pessoas da família ficou em cada canto. O meu quarto com Dominique já não existia mais, deu lugar à ampliação da sala. Restaram o quarto de Mamí, intacto, perfeito com os mesmos móveis, o quarto de Claude com Teresa, o dos meninos e a galeria dos banheiros que ainda guarda a lembrança dos mais audaciosos fumando escondido.

Ficou a certeza da Serra Verde de antes, com Hubert produzindo com fartura, motivo de orgulho para o Cariri e a Serra Verde de agora, vazia, triste, sem vida, aqui e alí ruínas como marcos de uma história. Uma casa vazia, em dores por entre as suas rachaduras, uma casa que mora a saudade dos tempos da "França Livre", dos tempos da nossa infância ...

Edilma Rocha

6 comentários:

Claude Bloc disse...

Edilma,

Viver a emoção e revivê-la com tuas palavras é dosse dupla... entala, toma o fôlego, reaviva...

O tempo e a emoção se achegam molhando a saudade com lágrimas doces.

Adoro te ler nessas horas.(e nas outras também).

Obrigada pela emoção, e pelo suspiro de saudade tirado lá do fundo do baú.

Abração,

Claude

Marcos Barreto de Melo disse...

Edilma Rocha,

Parabéns pelo seu texto. Muito bonito.

Abraço,

Marcos

Aloísio disse...

Edilma

Enquanto você vai narrando sua viagem para a Serra Verde, eu daqui fui viajando para o Rio Preto, umas terras que ficam na divisa dos municípios de Santo Antonio de Jesus e São Miguel das Matas, Bahia.
É isso, plagiando Sérgio Sampaio; "você tem o dom de causar consequências" com seus textos.
Obrigado pela viagem.

Abraços
Aloísio

Edilma disse...

Claude,

Por onde andaste na infancia
fui sua sombra amiga
Aprendemos o linguajajer do matuto
o dançar buliçoso,
a comer no taxo capitão com farinha

Aprendemos a montar no cavalo
a pescar no açude,
a plantar hoje para colher amanhã
folhas e legumes no lugar do jardim

Aprendemos a ouvir no escuro
historias do outro mundo
a pisar de mansinho e respirar fundo

Aprendemos o gosto da simplicidade
vivida no matuto fora da cidade
na sua roupa surrada
nos seus pés no chão
no seu colo amigo
que ensinou o perdão

Aprendemos que matar é morrer
cada sentimento antes mesmo de nascer
Que a vida é bela
quando se é feliz
e que fica a saudade
plantada no coração
de alguem que viveu a mais pura ilusão.

Edilma disse...

Marcos,

Que gentileza na sinceridade do seu comentário.
Nos encontramos por aqui.
Agradeço a sua atenção.

Feliz Ano Novo !

Edilma disse...

Aloisio,

Que o meu dom de causar consequencias lhe traga sempre boas lembranças.
Estou feliz em lhe proporcionar este sentimento valioso que se chama " Saudade".
Viajemos juntos então...
Estou aprendendo a gostar de um novo companheiro.
Obrigada !

Feliz Ano Novo!