Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Uma dor do tamanho da Piriquara - José do Vale Pinheiro Feitosa

Um dos espaços mais belos do litoral noroeste do Ceará é aquele da Planície que forma a Ponta da Piriquara. Um corpo alongado, raso, em que se tornam mais formosas as Dunas brancas e os coqueirais adensando como matas primitivas.

Na planície pastam vacas e os jumentos em bandos que não retornaram ao estado selvagem, mas donos já não existem a reclamar-lhes trabalho. Anus brancos e pretos, carcarás, bem-te-vis, algum gavião e urubus planando.

Um vento planetário sem igual acelera o formato plano da região. Alguns reservatórios de águas das chuvas entremeados no relevo através da cianinha de touceiras de guajiru, muricis, cajus e coqueiros.

Na Piriquara a juventude despreocupada, da Europa e outros continentes, escolheu para aproveitamento veloz dos ventos em prática de Kite Surf. Ali as ondas podem formar tubos, não como o Havai, mas tubos do mesmo modo.

Uma noite de lua cheia na vastidão e solidão da Piriquara é o último refúgio do mundo tal qual ele inventou este que aqui digita. As luas cheias nascem mais anchas e sua circunavegação tem um hemisfério de mais brilho que ilumina o alvo da existência.

A silhueta do mundo da Piriquara no plenilúnio é como uma imanescência de um mistério além dos conceitos utilitaristas com os quais identificamos as coisas. Identificamos o coqueiro pela água e a polpa, o murici com o picolé e o jumento mesmo quando uma carga de simbolismo cristão.

Luminescência que diz eternidade quando o cotidiano apenas soletra mortalidade. A Piriquara com o sol mesmo que estourando as cores e a luz ainda revela um momento que traduz a realidade muito além deste pragmatismo pequeno burguês que teima com despensa entulhada.

Se poeta fosse cantaria laudas infandas à Piriquara. Faria Confissões como um Agostinho, em busca da unidade que contém tudo que existe entre os céus e o mundo e mesmo além destes mesmos. A unidade que compreende o conteúdo universal e que vai muito além do incompreensível e escapa de qualquer tentativa de dar-lhe um continente limitante.

Pois acordei. O Governador Cid Gomes assinou um decreto para total transformação da Piriquara: um conjunto de prédios para 2014 abrigar a Copa do Mundo, estruturas para treinamento da seleção Espanhola, campos de futebol, escolinhas de futebol e depois dois hotéis, um conjunto de edifícios residenciais, shoppings, campos de golfe. Uma nova cidade no artifício do estilo ocidental.

Meu coração sangra por uma dor em vão. Que parece dor de alguém abastado, dado e posto que ama esta planície como intocada do velho estilo de viver. Uma dor que esperava este parto arrasador, o resultado desta prenhez de um monstro chamado progresso.

Uma dor solitária. Isolada, mágoa intensa, mas sem par. Pronta apenas para manter o monocórdio tom de cantochão de uma missa de sétimo dia. O corpo da resistência já foi enterrado. Na parede de um açougue de Paracuru existe um cartaz com um salmo que pede diariamente por mais empresas, pois empregos faltam. Faltam empregos que vindos darão rendas aos que estão e atrairão milhares que igualmente desempregados ficarão.

3 comentários:

Claude Bloc disse...

José do Vale,

No teu texto a dor não é apenas poetizada, pois nela encontraste a maneira de tudo se igualar em uma escala social, ou se constituir no meio de as pessoas se entenderem, ou simplesmente se fazerem entender. Essa dor é genuína, aquela que sopra para longe teus sonhos e teus idílios. A dor de perder teu recanto, a dor de prender o teu canto.
O progresso é,pois, uma faca de dois gumes, e a humanidade ainda não está atenta ao que possa acontecer depois. É insaciável a fome que se alimenta de ganância e de falta de humanidade. O progresso mudou nossas vidas, nossos costumes. Me assusta o fato de pode perder tanta coisa linda por causa de gestos inconscientes dessa natureza.
Por isso entendo tua dor. Ela também é minha.

Abraço sincero,

Obrigada por estar aqui.

Claude

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Claude,

Obrigado pelo comentário ao texto. E acrescentaria, aliás não acrescento, ficou subentendido, se não é que não consequi me expressar melhor: a minha dor é de pessoas com a vida acontecida, que tem o luxo da contemplação, por isso solitária e um tanto pequeno burguesa, pois a grande maioria por aqui vibra com estes empregos que virão.

Edilma Rocha disse...

Do Vale,

Foi em Piriquara, entre o prazer e a dor que esteve ?
Lhe enviei um convite através de comentários e recados do blog Cariricaturas para ver as exposições coletivas que participei na cidade do Rio de Janeiro, mas acho que estava ausente.
Pedrosa falou muito em voce nos dias que esteve aqui no Crato, mas não conseguimos encontra-lo.
José do Vale Pinheiro Feitosa, esse nome tem muita bagagem. Nos dê o prazer da sua visita sempre que assim a deseje.

Abraço !