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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sexta-feira, 25 de março de 2011

O choro do gado -- por Napoleão Tavares Neves (*)


O gado descia mansamente no rumo do sertão.
O trovão reboava no nascente como marco incontestável do limite entre a seca que findava e a quadra chuvosa que já se prenunciava.
O gado tinha secado do capim mimoso dos sertões, enfastiado com o capim agreste da chapada do Araripe onde passara toda a seca. Eram 200, 300 reses tangidas por quatro vaqueiros, meu pai na guia e eu no coice do gado.
A música dos bois era a nota marcante daquela alegre tarefa. Tudo era alegria!
De repente, no lambedouro do Auto do Mulungu, um touro mestiço do pescoço grosso, cioso da sua liderança naquele rebanho, parou, deu um urro muito forte e retorcia as moitas com os chifres, dando saltos inopinados. Todo o resto do rebanho aproximava-se do touro e o repetia em lânguidos berros cheirando o chão! Todos paramos instintivamente, como autômatos.
O vaqueiro Zé Felix, muito místico, tirou o seu chapéu de couro e o colocou no peito em reverência àquela inusitada cena como igual jamais vi na vida!
Em seguida, o touro mestiço retomou a guia do rebanho e continuou a caminhada. Fomos verificar a causa daquela tocante cena. Era a ossada ainda verde e recente de uma rês que morreu naquela lambedouro, aonde as reses sempre iam ao cair da tarde em procura do sal da terra para satisfazerem a sua carência de sal. Dali pra frente os aboios diminuíram de intensidade. O tempo inexorável vai se acumulando sobre mim, mas aquela bucólica cena fica cada vez mais viva na minha saudosa sensibilidade. Esquece-la, jamais e eu tinha 12 anos de idade e era aprendiz de vaqueiro. Nunca vi humanos chorarem tão intensamente os seus mortos.
A natureza tem os seus mistérios!

(*) Napoleão Tavares Neves é médico, escritor, historiador, memorialista e cronista radicado em Barbalha. Pertence a diversos institutos culturais do Ceará e do Brasil.

Um comentário:

Claude Bloc disse...

Texto tão plausível e tão nosso que o choro do gado toca profundamente a gente.

Abraço,

Claude