A Chaminé
(Claude Bloc)
Minhas aulas muitas vezes
pareciam poemas bordados na tela. Preparava textos para inserir no contexto e gostava
de provocar alguns temas, instigar a reprodução de algum escrito de autores
reconhecidamente versados em poesia ou literatura. Naquele dia eu também escrevia
algo de meu e falava exatamente sobre a solidão...até me inspirei num texto de
Cecília Meireles, onde ela dizia que a solidão não existe.
Esse era um tema recorrente e nessa
aula, nesse dia, eu explorava a solidão,
uma palavra um tanto quanto complexa, mas bem sugestiva visto que poderia ser
abordada sob alguns dos seus variados aspectos.
Diante desse mal da solidão que corrói
o mundo e que, de alguma forma, faz as pessoas se fecharem num individualismo
planejado, me lembrei de uma imagem que fotografei na Serra Verde. Nela uma
chaminé... Tudo o que resta do engenho que lá existia. Uma chaminé imponente e
solitária que hoje se ergue mostrando as marcas impiedosas do tempo. O mato já toma
conta de seus arredores e a cada ano, o tempo a consome mais um pouco e a
distancia dos dias gloriosos em que soltava a fumaça da lenha e do bagaço de cana
que eram lançados na fornalha.
O mês de julho na Serra Verde era
um mês festivo. Férias! Primos e amigos engrossavam o rol de crianças na
Fazenda. A primeira garapa cheirava em nossas narinas como um convite às
delicias do mês. Íamos ao engenho em bando, de manhã e sobretudo à tarde. De
casa levávamos uma lata de óleo bem lavada, com as beiradas devidamente batidas
para não machucar as bocas ávidas pelo néctar da cana de açúcar.
A meninada chegava no engenho animada.
Havia uma espécie de concurso para saber quem agüentava beber um litro de
garapa de uma lapada só... Quem ganhasse,
pegava o primeiro alfenim.
Pedíamos a Josa, para raspar
algumas canas tortas, apropriadas para “colher” o mel na gamela, antes que
Redondo começasse a mexer aquele líquido cheiroso e fervente fazendo com que
ele açucarasse até dar o ponto da rapadura.
Com o mel já “colhido”, íamos
rodando as canas para ele não escorresse e para que ele pudesse esfriar, de
forma que pudéssemos pôr a mão e puxá-lo até que virasse alfenim. A cor viscosa
e dourada ia embranquecendo, o mel soltando da mão, até que fôssemos capazes de
degustar aquele “puxa-puxa” que era para nós um manjar delicioso. Depois de
açucarado o sabor não era o mesmo.
Hoje a chaminé continua lá em pé,
incólume. Solitária. Esquecida. No seu topo um mandacaru “fulora” na seca. Mas
fica aqui uma pena imensa dessa solidão em que hoje se encontra e das ruínas em
que serpenteiam as saudades da vida e das alegrias que sentíamos quando a
fumaça dessa chaminé exalava o cheiro da moagem.
Claude Bloc
2 comentários:
Claude,
Adorei o texto que faz jus a foto.
O tema "solidão" se transformou na delícia dos produtos do velho engenho de cana de açúcar. Em meio as palavras senti o doce sabor da infância.
Obrigada pelas recordações açucaradas.
Por falar em doce, tem "nego-bom" aí?
Beijo!
Aqui tem "nego bom" sim... Já decidiu quando vai vir?
Abraço
Claude
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