Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Glauber Rocha - Brasileiro do século em artes cênicas


Glauber Rocha tinha a câmera na mão e ordenava à empregada doméstica: "Morra, Maria, morra!" Estava na casa dos pais, em Salvador, em 1957, tinha só 17 anos e acabara de ganhar a máquina filmadora. "Morra, Maria, morra!" Não havia jeito de a atriz improvisada embarcar na viagem de Glauber. De repente, o rapaz foi até o quarto do pai, pegou um revólver e deu um tiro para o alto. A moça desmaiou. Aí ele aproveitou para filmar Maria estatelada no chão da sala. A câmera era recompensa ao fato de ter conquistado o primeiro lugar no vestibular de Direito, na Bahia. A oferta do pai, Adamastor, era uma viagem de 30 dias a Rio de Janeiro e São Paulo, além de um JK, automóvel lançado em homenagem ao presidente Juscelino Kubitschek. "Mandem o dinheiro do carro", pediu em telegrama enviado da capital paulista. Ao desembarcar de volta no porto de Salvador, telefonou: "Mãe, vem buscar o presente, não me deixam pegá-lo porque sou menor." Dona Lúcia correu e ficou desconfiada quando viu o pequeno caixote: "Então, é assim que fabricam carros lá no Sul? Desse tamaninho?" Era a câmera de filmar. Idéias não faltavam. A cena da empregada tinha sido muito, muito promissora.

Baiano de Vitória da Conquista (nasceu a 14 de março de 1939), Glauber inventou um jeito novo de fazer cinema, mostrando com crueza as mazelas sociais do País num estilo pessoalíssimo. "Soltem as amarras e deixem o vagão correr", diz um de seus personagens. Construiu sua obra no fio da navalha entre o maravilhoso e o ridículo, no limite físico e mental de atores, técnicos e dele próprio. "Ator que não sabia improvisar não podia trabalhar com Glauber", afirma a atriz Norma Bengell. Ele inventava situações dramáticas e colocava os atores dentro delas, exatamente como fez com a empregada em Salvador. As cenas eram repetidas à exaustão sob sol a pino. A dublagem demorava. "Só ficou contente quando fiquei rouco. Achava que a rouquidão era adequada ao personagem de Terra em transe", lembra o ator José Lewgoy.

Ópera metralhadora
Houve um momento em que Glauber parecia ter o mundo a seus pés. No Festival de Cannes, Terra em transe (1967) - uma "ópera metralhadora" segundo Jean-Louis Bory, do Le Nouvel Observateur - foi um terremoto. A atriz americana Shirley McLane subia a escada do Palácio dos Festivais enquanto Lewgoy descia. Ela parou e disse, num "português de índio", segundo Lewgoy: "Não entendi nada. Mas gostei imensamente." Em 1969, O dragão da maldade contra o santo guerreiro deu a Glauber o prêmio de direção em Cannes. Luchino Visconti, mestre do neo-realismo italiano, atravessou a rua para cumprimentá-lo. As portas de uma carreira internacional se abriram, mas Glauber não quis entrar. "Não sou cineasta profissional, sou amador. Sou pensador, político", divagava.

Era impossível falar de amenidades com ele. Só formulava teses. "Vamos derrubar os militares", mandou dizer ao presidente João Goulart, exilado num hotel dos Champs-Elisée, em Paris, em 1973. Jango pediu calma. Ernesto Geisel seria o novo presidente e promoveria a abertura política. Glauber teve aí a idéia de um regime militar nacionalista e esquerdizante, nos moldes da experiência do Peru (entre 1968 e 1975), onde um governo fardado tinha feito a reforma agrária. Elogiou Golbery do Couto e Silva como "gênio da raça". Nessa época, de manhã cedo, enrolado num cobertor como mendigo, caminhava na praia de Ipanema, falando sozinho. Em Santiago do Chile, já fora flagrado anos antes conversando com as paredes do hotel, com um microfone na mão: "Aqui é Glauber Rocha, eu sei que a CIA está gravando, e a KGB também." Tentou realizar um filme com os exilados brasileiros, mas eles se negaram a subir nus os Andes gelados, acompanhados por Norma Bengell. "Caretas! Isso é liberdade total", esbravejou o diretor. Passou a escrever num idioma particular com y e k no lugar de i e c. Idade da terra (1980), o último filme, foi feito totalmente no improviso. "Não dá para ser contado, só visto. Rompi com o cinema teatral e ficcional", avisou ele. No filme, em frente ao mar imundo da praia do Arpoador, no Rio, Tarcisio Meira recita: "Isso aqui é a cloaca do mundo" - o galã confidenciou que até hoje não entendeu nada. No Festival de Veneza, Glauber fez até passeata, abaladíssimo com a rejeição ao filme. Logo ele, habituado aos afagos da crítica européia.

Acervo valioso
Tinha mania de doença e pediu várias vezes para ser levado à emergência de hospitais no Rio, com desconforto digestivo. Quando soube que Glauber havia sido internado em Sintra, perto de Lisboa, em Portugal, Zelito Viana, sócio e amigo inseparável até 1970, botou na conta da hipocondria do diretor. Mas o caso se agravou e a pneumonia virou speticemia (infecção generalizada do organismo). Ele chegou em coma profundo ao Brasil e morreu em 22 de agosto de 1981. "Sempre dizia que morreria aos 42 anos. É o inverso de 24, idade em que morreu Castro Alves, que fazia aniversário no mesmo dia", conta a mãe de Glauber. Dona Lúcia, de 80 anos, mantém sem ajuda da iniciativa privada ou dos órgãos públicos um acervo de 50 mil documentos escritos, mil fotografias e 600 desenhos. "Meu filho era famosíssimo e paupérrimo. Não morreu da vontade de Deus, morreu de uma doença chamada Brasil", afirma ela.

VOCÊ SABIA?
As causas da morte são nebulosas. Houve rumores não confirmados de que teria morrido de Aids. Amigos admitem a hipótese de um câncer e outros dizem que foi contaminado ao fazer biópsia com equipamento não esterilizado. "Prefiro ser um cadáver a um desses mortos-vivos que andam por aí", dizia ele.

EM CENA
· Deus e o diabo na terra do sol (1964)
· Terra em transe (1967)
· O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969)
· Câncer (1972)
· Cabezas cortadas (1970)
· A idade da terra (1980)

Um comentário:

Carlos Rafael Dias disse...

Gláuber meteu-se em uma polêmica por ter conferido ao "bruxo da geopolítica brasileira", Gal. Gobery do Couto e Silva, um dos grande ideólogos do regime militar, o epíteto de "Gênio da Raça". Quem não lembra?

Por conta, Glauber sofreu o inevitável patrulhamento ideológico das esquerda emperdenida. Só que ele era tão grande e íntegro que as pechas de traidor e direitista não pegou.

Salve Gláuber, o verdadeiro gênio da raça.