Lorena Tavares - Amor e doação , no exercício da profissão
A inclusão para o aluno e o aluno para a inclusão: efeitos dos múltiplos conceitos de educação inclusiva
Nos últimos dias temos refletido sobre a imposição do direito do aluno com deficiência à sua inclusão escolar, como fator de conquista democrática e exercício de cidadania. Desse modo, algumas organizações governamentais e não-governamentais revelam publicamente seu apoio a instrumentos legais impositivos, negando à pessoa com deficiência o exercício de sua autonomia e liberdade de optar por decisões lhe convém como pessoa e grupo social. Interferir nos espaços de decisão, principalmente na área educacional, significa atingir a pessoa no espaço reconhecido como privilegiado para a promoção do pensamento, da consciência, da criatividade, da subjetividade e do conhecimento: a escola.
Nesta mensagem, vamos conversar sobre educação inclusiva, abordando características conceituais, princípios e pressupostos que as orientam e sua influência para a pessoa com deficiência em nosso país. A educação inclusiva tem muitos conceitos e significados, segundo a Inclusion International, uma organização mundial de famílias à qual a Fenapaes é filiada. É atualmente sediada em Londres e atua na cooperação e troca de informações sobre deficiência intelectual com cerca de 200 países.
Nas próximas seções estamos detalhando essas diferentes concepções de educação inclusiva, analisando aspectos que se identificam com o modelo oficial prevalecente no Brasil, do modo como proposto na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. É importante considerar a impossibilidade de isolar as categorias como únicas, devendo ser entendidas em aspectos intercambiados com as demais.
Concepção 1: localização física
Esta concepção de educação inclusiva tem foco na localização, ou seja, no espaço geográfico onde o aluno está matriculado no sistema educacional. Defende como objetivo essencial o acesso à escola e às classes regulares, mesmo para alunos com deficiências importantes, com demanda de apoio intensos e contínuos.
Esta concepção fundamenta seu discurso nos direitos humanos, destacando a igualdade de oportunidade como princípio fundamental. Para sua implementação, promove ajudas complementares e serviços de apoio ao aluno, em resposta às necessidades educacionais especiais identificadas. Esta caracterização mostra a opção de inclusão do governo brasileiro, legitimada pela Secretaria de Educação Especial do MEC. O conceito de necessidades educacionais especiais é restritivo, conforme se verifica na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, circunscrito às seguintes categorias: superdotação/altas habilidades, deficiência e transtornos globais do desenvolvimento (espectro do autismo), categoria clínica da Associação Psiquiátrica Americana proposta no DSM IV-TR, um catálogo de transtornos mentais publicado em 2003.
Esta visão enfatiza o lócus da educação, em detrimento da aprendizagem e do desenvolvimento do aluno, em espaços sociais favoráveis às suas relações e participação com os outros sociais.
Concepção 2: acessibilidade
Esta concepção tem foco no princípio da educação para todos, preconizado na Declaração de Salamanca. Defende os direitos humanos pela via da acessibilidade e amplia o conceito de necessidades educacionais especiais a uma ampla gama de grupos sociais excluídos. Neste conceito, são contemplados(as) crianças com deficiência ou superdotação/altas habilidades, crianças em situação de risco social ou crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nômades, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais. Desse modo, necessidades educacionais especiais refere-se às pessoas cujas carências relacionam-se a deficiências ou dificuldades escolares.
Esta concepção de educação inclusiva implica desenhos dos sistemas e dos programas educacionais que levem em conta a diversidade da população escolar. Desse modo, a proposta pedagógica da escola, o planejamento e o desenvolvimento curricular são essenciais ao processo de inclusão. A escola inclusiva, portanto, é concebida como aquela capaz de educar a todos os alunos, visando à constituição de uma sociedade inclusiva e de uma escola efetiva, viável e sustentável. A afinidade da concepção descrita com a realidade brasileira encontra-se apenas na consideração da perspectiva de educação para todos. No entanto, os outros aspectos não recebem igual incentivo. Deixa de enfatizar a valorização de ações voltadas para decisões curriculares que garantam efetivamente espaços favoráveis à aprendizagem, ao desenvolvimento e à integração social dos alunos. Desse modo, não atenta para a essencialidade da construção e do compartilhamento dos saberes e do fazer pedagógico.
A acessibilidade ao currículo pauta-se na noção de flexibilidade, enfatizando a supremacia do grupo-classe, sendo o aluno como sujeito imerso no todo da sala de aula. Sobre a égide da aula para todos, a apropriação dos saberes é determinada pela capacidade docente de criar meios e oferecer recursos para alcançar a parte pelo todo.
Concepção 3: participação
A educação inclusiva, nesta concepção, focaliza a participação como uma dinâmica essencial ao processo inclusivo. Tem foco nos direitos humanos pela via da acessibilidade, valorizada como mediadora da integração social. Leva em conta os modos de educar e os processos educacionais, mais valorizados do que os resultados avaliativos. O estudante é considerado como membro integrante da escola e de todas as atividades que realiza, com apoio devido às suas necessidades individuais. O caráter social da inclusão não tem relevância no conceito de educação inclusiva como praticada no Brasil, cuja preocupação principal se reflete no crescimento numérico, cuidadosamente levantado no censo escolar anual, revelando o crescimento físico do processo de inclusão.
Concepção 4: inclusão social
Esta concepção tem foco na escola e na sua função social. A escola é vista como meio de construção e socialização do conhecimento, bem como de desenvolvimento de competências e habilidades. Ressalta a confiança na escola como recurso transformador da realidade escolar e da sociedade. Os conceitos implicados nesta concepção são de cidadania, pedra angular para a efetividade dos direitos e deveres da pessoa e para garantir oportunidade plena de participação social. É uma visão que reforça a necessidade de avaliar a educação inclusiva, para verificar se a escola está exercendo efetivamente o seu papel.
A escola, como instrumento capaz de transformar uma sociedade excludente em inclusiva é fortemente defendida pelo governo na concepção de educação inclusiva no Brasil. Esta visão fica clara no discurso e nas diretrizes educacionais atuais, que induzem, de modo subjacente, a extinção de escolas especiais, desvalorizadas como segregadoras e cuja existência seria impeditiva da inclusão escolar e social.
Ao mesmo tempo, esta concepção defende a inclusão plena, imediata e incondicional de todos os alunos com necessidades especiais, como meio “didático” de construir – ao modo natural – a inclusão escolar. Fortalecida a escola inclusiva, a sociedade passaria a contar com uma instituição construtora da inclusão social, sendo os alunos com necessidades especiais atores desse progresso, enquanto membros da comunidade escolar.
Sem a centralidade no aluno ou no currículo, esta visão põe a escola como eixo detentor do poder e capaz de superar os impeditivos da inclusão escolar e social, desconsiderando a influência das condições da escola, do aluno e a influência dos fatores socioculturais, como o preconceito, no processo de inclusão.
Convidamos a sociedade a uma reflexão sobre o assunto.
Apae de Crato
Travessa Milagre, s/nº - CEP 63119-180 - Crato - CE
Tel.: (88) 3521-5508 - Fax: 3521-1823 - E-mail: crato@apaebrasil.org.br
Nos últimos dias temos refletido sobre a imposição do direito do aluno com deficiência à sua inclusão escolar, como fator de conquista democrática e exercício de cidadania. Desse modo, algumas organizações governamentais e não-governamentais revelam publicamente seu apoio a instrumentos legais impositivos, negando à pessoa com deficiência o exercício de sua autonomia e liberdade de optar por decisões lhe convém como pessoa e grupo social. Interferir nos espaços de decisão, principalmente na área educacional, significa atingir a pessoa no espaço reconhecido como privilegiado para a promoção do pensamento, da consciência, da criatividade, da subjetividade e do conhecimento: a escola.
Nesta mensagem, vamos conversar sobre educação inclusiva, abordando características conceituais, princípios e pressupostos que as orientam e sua influência para a pessoa com deficiência em nosso país. A educação inclusiva tem muitos conceitos e significados, segundo a Inclusion International, uma organização mundial de famílias à qual a Fenapaes é filiada. É atualmente sediada em Londres e atua na cooperação e troca de informações sobre deficiência intelectual com cerca de 200 países.
Nas próximas seções estamos detalhando essas diferentes concepções de educação inclusiva, analisando aspectos que se identificam com o modelo oficial prevalecente no Brasil, do modo como proposto na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. É importante considerar a impossibilidade de isolar as categorias como únicas, devendo ser entendidas em aspectos intercambiados com as demais.
Concepção 1: localização física
Esta concepção de educação inclusiva tem foco na localização, ou seja, no espaço geográfico onde o aluno está matriculado no sistema educacional. Defende como objetivo essencial o acesso à escola e às classes regulares, mesmo para alunos com deficiências importantes, com demanda de apoio intensos e contínuos.
Esta concepção fundamenta seu discurso nos direitos humanos, destacando a igualdade de oportunidade como princípio fundamental. Para sua implementação, promove ajudas complementares e serviços de apoio ao aluno, em resposta às necessidades educacionais especiais identificadas. Esta caracterização mostra a opção de inclusão do governo brasileiro, legitimada pela Secretaria de Educação Especial do MEC. O conceito de necessidades educacionais especiais é restritivo, conforme se verifica na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, circunscrito às seguintes categorias: superdotação/altas habilidades, deficiência e transtornos globais do desenvolvimento (espectro do autismo), categoria clínica da Associação Psiquiátrica Americana proposta no DSM IV-TR, um catálogo de transtornos mentais publicado em 2003.
Esta visão enfatiza o lócus da educação, em detrimento da aprendizagem e do desenvolvimento do aluno, em espaços sociais favoráveis às suas relações e participação com os outros sociais.
Concepção 2: acessibilidade
Esta concepção tem foco no princípio da educação para todos, preconizado na Declaração de Salamanca. Defende os direitos humanos pela via da acessibilidade e amplia o conceito de necessidades educacionais especiais a uma ampla gama de grupos sociais excluídos. Neste conceito, são contemplados(as) crianças com deficiência ou superdotação/altas habilidades, crianças em situação de risco social ou crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nômades, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais. Desse modo, necessidades educacionais especiais refere-se às pessoas cujas carências relacionam-se a deficiências ou dificuldades escolares.
Esta concepção de educação inclusiva implica desenhos dos sistemas e dos programas educacionais que levem em conta a diversidade da população escolar. Desse modo, a proposta pedagógica da escola, o planejamento e o desenvolvimento curricular são essenciais ao processo de inclusão. A escola inclusiva, portanto, é concebida como aquela capaz de educar a todos os alunos, visando à constituição de uma sociedade inclusiva e de uma escola efetiva, viável e sustentável. A afinidade da concepção descrita com a realidade brasileira encontra-se apenas na consideração da perspectiva de educação para todos. No entanto, os outros aspectos não recebem igual incentivo. Deixa de enfatizar a valorização de ações voltadas para decisões curriculares que garantam efetivamente espaços favoráveis à aprendizagem, ao desenvolvimento e à integração social dos alunos. Desse modo, não atenta para a essencialidade da construção e do compartilhamento dos saberes e do fazer pedagógico.
A acessibilidade ao currículo pauta-se na noção de flexibilidade, enfatizando a supremacia do grupo-classe, sendo o aluno como sujeito imerso no todo da sala de aula. Sobre a égide da aula para todos, a apropriação dos saberes é determinada pela capacidade docente de criar meios e oferecer recursos para alcançar a parte pelo todo.
Concepção 3: participação
A educação inclusiva, nesta concepção, focaliza a participação como uma dinâmica essencial ao processo inclusivo. Tem foco nos direitos humanos pela via da acessibilidade, valorizada como mediadora da integração social. Leva em conta os modos de educar e os processos educacionais, mais valorizados do que os resultados avaliativos. O estudante é considerado como membro integrante da escola e de todas as atividades que realiza, com apoio devido às suas necessidades individuais. O caráter social da inclusão não tem relevância no conceito de educação inclusiva como praticada no Brasil, cuja preocupação principal se reflete no crescimento numérico, cuidadosamente levantado no censo escolar anual, revelando o crescimento físico do processo de inclusão.
Concepção 4: inclusão social
Esta concepção tem foco na escola e na sua função social. A escola é vista como meio de construção e socialização do conhecimento, bem como de desenvolvimento de competências e habilidades. Ressalta a confiança na escola como recurso transformador da realidade escolar e da sociedade. Os conceitos implicados nesta concepção são de cidadania, pedra angular para a efetividade dos direitos e deveres da pessoa e para garantir oportunidade plena de participação social. É uma visão que reforça a necessidade de avaliar a educação inclusiva, para verificar se a escola está exercendo efetivamente o seu papel.
A escola, como instrumento capaz de transformar uma sociedade excludente em inclusiva é fortemente defendida pelo governo na concepção de educação inclusiva no Brasil. Esta visão fica clara no discurso e nas diretrizes educacionais atuais, que induzem, de modo subjacente, a extinção de escolas especiais, desvalorizadas como segregadoras e cuja existência seria impeditiva da inclusão escolar e social.
Ao mesmo tempo, esta concepção defende a inclusão plena, imediata e incondicional de todos os alunos com necessidades especiais, como meio “didático” de construir – ao modo natural – a inclusão escolar. Fortalecida a escola inclusiva, a sociedade passaria a contar com uma instituição construtora da inclusão social, sendo os alunos com necessidades especiais atores desse progresso, enquanto membros da comunidade escolar.
Sem a centralidade no aluno ou no currículo, esta visão põe a escola como eixo detentor do poder e capaz de superar os impeditivos da inclusão escolar e social, desconsiderando a influência das condições da escola, do aluno e a influência dos fatores socioculturais, como o preconceito, no processo de inclusão.
Convidamos a sociedade a uma reflexão sobre o assunto.
Apae de Crato
Travessa Milagre, s/nº - CEP 63119-180 - Crato - CE
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