Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Mundinha Dantas - Versos e prosas

Mundinha é filha de Manuel Dantas, fiscal da Serra Verde de quem já falei aqui no Cariricaturas. Desde sempre eu convivi com ela, visto que cuidou de Dominique, de Bertrand e pelo fato de ter saído lá de casa pra casar.
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Mundinha é uma guerreira. Voltou a estudar aos 60 anos e, assim, realizou um de seus sonhos, protelados pela vida a fora. Com esta atitude, concluiu o Ensino Médio e até se tornou a oradora da turma devido a sua facilidade de versejar e de seu bom humor e desinibição. Teve seis filhos e fez o melhor que pôde para dar-lhes o que não teve: o direito de estudar.
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Estando em Crato, fui visitá-la como sempre faço. Entre um baião e muito bom humor consegui colher alguns de seus versos para trazê-los ao Cariricaturas com o intuito de homenageá-la e também mostrar que a inteligência é algo inato. Alguns deixam-se vencer pela vida sem usá-la. Mundinha, ao contrário, soube fazer uso de seu potencial para atingir alguns de seus sonhos mais caros.
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Leiam, vejam, e apreciem.

Mundinha, compenetrada lendo seus versos

Bom humor e tiradas inteligentes


Minha escola foi a roça
Meu colégio o sertão
Meu caderno as sementes
De arroz e de feijão
Minha caneta a enxada
De escavacar o chão

Quando era cinco horas
Eu já tava acordada
De “currulepa” no pé
E de cabeça amarrada
Com a enxada nas costas
Seguia minha jornada

Era uma turma danada
Eu e mais nove irmão
Passava o dia interinho
Plantando milho e feijão
Debaixo de sol e chuva
De ‘relampo’ e de trovão

Chegava em casa molhada
Tirava a roupa e torcia
E como não tinha outra
Aquela mesma vestia
E sentindo muito frio
Com esta mesma dormia

Eu caia na fianga
Com cinco minutos dormia
O meu corpo tão cansado
Que até as ‘unha doía’
Achava a noite curtinha
E logo chegava o dia

Quando eu me acordava
O primeiro que eu fazia
Era dar a ‘bença’ a meu pai
Era ele que exigia
Ai de quem não desse a ‘bença’
A ele naquele dia

Meu pai era um cidadão
E muito inteligente
Mas como pai um carrasco
Judiou muito da gente
E minha mãe uma santa
Tinha um jeito diferente

O tempo foi passando
Minha infância terminou
Carregou minha esperança
Que quase nada ficou
De todos sonhos que sonhei
Só um pouquinho restou

Esta mulher que está aqui
Não é aquela que nasceu
Ela foi se transformando
No período que cresceu
E ficou lá no passado
A mulher que era eu.

Versos de Mundinha (Dantas) de Freitas Ferreira

Fotos de Claude Bloc

6 comentários:

Heladio disse...

Minha cara Claude
Veja quanta pureza tem os sonetos, desta senhora. Só quem realmente vivenciou é capaz de tal sapiência. Só um protesto, quero fazer : a expressão JUDIOU.Sou parte da herança judáica no nordeste, portanto este vício de linguagem , nada mais é do que uma herança preconceituosa da inquisição.
Shalom
Heladio

socorro moreira disse...

Claude,
Pela primeira vez, me arrepio todinha com um texto do Cariricaturas.
Não quero dizer que os outros não não me emocionem...
Eu quero dizer é que, a poesia de Mundinha, me arrepiou todinha !


Beleza !!!!!!!!!!

Glória Pinheiro disse...

Claude,
Quase vou às lágrimas com os versos de Mundinha Guerreira.
Quando encontrá-la leve o meu abraço. Parabéns para ela e para você pela seleção, foto e justa homenagem.
Abraços
Glória

Claude Bloc disse...

Meus caros amigos,

Mundinha tem uma grande riqueza interior. Admiro-a muito. Tenho outros textos dela. Ocasionalmente vou postá-los.

*********

Heládio, também tenho parte da herança judaica. Mas você sabe que no nosso sertão sobretudo, essa palavra - judiar - é usada nesse sentido de 'maltratar' e creio que a maioria nem atina para a origem da palavra.
Shalom.

**************

Glória, para você que conheceu Mundinha fica mais fácil entender a grandeza de sua (dela) alma.


Abraços a vocês

Maria Amélia Castro disse...

Claude,

Obrigada por dividir com a gente "sua Mundinha" e quantas existem perdidas nesse sertão de meu Deus.Parabens Mundinha nunca é tarde para aprender.
abraços
Maria Amélia Castro

Edilma disse...

Claude,
Estou curiosa para conhecer outros escritos de Mundinha.
Eu que a conheci, jamais poderia imaginar este dom maravilhoso.O Seu Manel Dantas nem queria que os filhos estudassem.
Versos puros e bem centrados na vida da fazenda.
Fiquei maravilhada !
Beijo !