Naquele dia, já de tardizinha, procurou o consultório um mecânico especialista na manutenção de máquinas de costura. Alto, meio desengonçado, desconfiado como cachorro em noite junina. Chamava-se Elesbão. Contou então o motivo da sua visita . Estava casado há 15 quinze anos com uma mulher muito legal, mas valente e ciumenta como galinha de pinto novo. Não tinham filhos. O problema é que há uns três anos mantinha um colete com uma outra moça bem mais nova e que conhecera ali mesmo na fábrica. Vivia , agora, assaltado pelo terrível fantasma da culpa e do medo. A cada dia o cerco parecia ir se fechando e temia o desfecho que poderia resultar em morte ou capação. Ludmilla tentou orientá-lo pelos dois caminhos possíveis: antecipar-se e contar tudo à patroa, assumindo as conseqüências ou encerrar o namoro com a amante. Elesbão prometeu pensar e decidir. Desapareceu, como por encanto.
Uns três meses depois ele retorna ao consultório ainda mais sobressaltado. Contou à doutora que ainda não tinha tomado uma decisão, mas que mesmo assim a coisa havia piorado muito. Ludmilla perguntou se a esposa havia descoberto a tramóia. Elesbão respondeu que era bem pior : a amante estava grávida. A psicóloga então se sobressaltou: agora a porca havia torcido o rabo e apartado. Juntava-se à traição, a terrível frustração da esposa estéril ter sido substituído por outra fecunda e , pior, bem mais nova. Ela, então, informou que agora só existia uma vereda a ser trilhada: contar à esposa. Elesbão ainda resmungou , contrargumentou, mas terminou se convencendo da terrível sinuca de bico. Deixou o consultório como quem caminha para o cadafalso.
Dias depois, no natal da fábrica, a nossa psicóloga topou com o nosso mecânico e a esposa na solenidade. Ele já havia espantado o anjo da guarda e sua corte. Melado, apresentou a patroa à doutora e explicou, com voz meio pastosa:
– Doutora, seguí suas orientações, contei tudo a ela e fui perdoado. A senhora salvou nosso casamento!
Ludmilla pareceu feliz e os cumprimentou , mas sua sensibilidade feminina leu nos olhos da esposa, ainda um certo travo, uma raiva contida com dificuldade. Percebeu que a bomba ainda não tinha sido desarmada: apenas tinham aumentado um pouco o tamanho do estopim. Passaram-se alguns meses e, de repente, Elesbão retorna ao consultório, com ar de preocupação. Informa à psicóloga que a coisa voltou a complicar e solta a bomba: resolvera casar com a amante. Fora pressionado, o menino nascera e não queriam deixar o inocente como mais um “filho de guaimum”. A doutora se sobressaltou: “Tá doido, rapaz! Agora você cometeu um crime! Bigamia dá cadeia, entendeu?” Elesbão, no entanto, esclareceu mais uma vez a questão. Vivia maritalmente com a esposa oficial há quinze anos, mas não era casado oficialmente com ela. Ludmilla, então, saltou dos seus tamancos e lembrou a ele que agora a coisa havia tomado dimensões muito mais perigosas. Quando a esposa constatasse que a quenga agora era ela e não a amante, o circo seria incinerado sem deixar vestígios. Elesbão saiu da psicoterapia com ar de rato que foge da perseguição do bichano.
Passados uns três meses, lá volta nosso mecânico ao consultório. Conta que a doutora tinha razão, a esposa descobrira sua nova e desconfortável condição e armara um barraco terrível. Ele, então, havia resolvido tudo: deu entrada na separação judicial da amante, mas claro, continuava ainda com ela, até por conta da criança que não tinha culpa de nada. Um ano depois, adentra novamente no consultório e informa que havia se divorciado da amante, por fim e casado com a esposa oficial: “passamos o papel!” A psicóloga acreditou que , finalmente, tudo chegara a um bom termo. Lembrou que ela também havia se separado recentemente, que as coisas eram assim, casamento tinha prazo de validade, como qualquer outro produto perecível e desejou felicidades mil ao novo/velho casal.
Ludmilla ficou atônita quando uns cinco meses depois topou novamente com Elesbão na fila do consultório. Que poderia agora ter acontecido? Chegada a sua vez, ele relatou os últimos fatos. A coisa tinha piorado de novo. A amante tinha até suportado a separação, mas quando soube do casamento com a esposa, rodou a baiana. Voltara a ser novamente a outra, a rapariga de Elesbão. Acabou o relacionamento. E, pior, arranjou um outro marido, um refil. O mecânico estão ficou triste pelos cantos, capiongo, perdera a graça de viver. Não só por perder a amante de tantos anos, mas pelo afastamento do filho com quem já havia se afeiçoado. O clima em casa começou a ficar mais turbulento e não deu outra: resolvera se separar da esposa, tinham apartado os trapos! Ludmilla não conseguira mais entender a intrincada teia de fios tecida por Elesbão:
--- O senhor parece uma aranha doida! Criou um labirinto tão inlinhado que terminou perdido no meio dele! Sinceramente, eu não vejo saída não! Agora , é dar a volta por cima, por as coisas nos seus devidos lugares e tentar rearrumar a vida, enquanto é tempo!
Elesbão fitou a doutora com aqueles olhos pidões de cachorro em churrascaria. Puxou, então, o primeiro fio da nova teia:
--- Doutora, se mal pregunto, já que a senhora também está desimpedida, não estaria a fim de um relacionamento estável e sincero?
J. Flávio Vieira
8 comentários:
Zé Flávio
Nada como uma gargalhada gostosa para iniciar o dia! E garanto que a psicóloga caiu na lábia do esccolado Elesbão!
Zé Flávio,
Essa foi ótima!!!kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
E a nossa psicóloga,não estará agora, necessitando se consultar com outra?
Bom dia: Liduina.
Rindo...
Essas teias sem aranhas
..." esse papo seu já tá de manhã..."
A vida de Elesbão lembra as nossas tramas. Falo das minhas , agora sem dramas.
Áa vezes amanheço doida pra me enrolar de novo , mas penso duas vezes : nunca mais precisei de um psicólogo !
A gente aprende a renunciar de vez !
tenho um amigo que acabou casando com a psicóloga.
Um abraço , e obrigada pelo nosso deleite em ler você.
Meu camarada,
tu escreves com tanto ritmo
e imagens certeiras que do início ao fim não se desgruda do meus rosto um riso de contentamento.
Admirável abraço.
Zé Flávio,
Que bom lhe encontrar com mais um conto gostoso e espirituoso.
Me fez sorrir, e olhe que ando sem graça por aqui...
Não estaria afim de escrever mais um pouquinho, Doutor ?
agradeço os comentários do Carlos Eduardo, da Liduína, da Socorro,do Domingos e da Edilma e pela paciência de ler o texto tão longo e enlinhado. E cá vamos nós todos tecendo nossas teias...
J. Flavio,
Quinta-feira é um dia crucial para mim. É o dia que me desgarro de Sobral pra Fortaleza, pra ver os netos. Mas... nada melhor do que chegar em outras plagas, enfadada depois de uma viagem de quase 5 horas. Mas foi delicioso ler teu texto, meu dia ficou mais leve depois das risadas.
Abraço,
Claude
Abraço à Claude. fico feliz que o texto tenha lhe trazido alegria em meio á incomparável felicidade de curtir os netos.
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