Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Rua Dom Quintino é a minha rua - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Que bom relembrar as ruas do Crato, principalmente daquelas que marcaram a nossa infância! Para mim a rua mais importante do Crato é a Rua Dom Quintino. Certa vez, uma amiga me disse que todos os cratenses passam pela Rua Dom Quintino. Peço desculpas aos que por lá moram ou passam quase todos os dias, mas a Rua Dom Quintino é a minha rua! Foi lá que eu nasci num velho casarão de número 18, onde residiam meus avós paternos. Precisa de um motivo maior do que esse para eu ser o dono da Rua Dom Quintino? Acredito que eu fui o último cratense com mais de sessenta anos, que nasceu na Rua Dom Quintino. Sim, porque os mais jovens nasceram numa maternidade. Em compensação não tiveram a assistência da famosa parteira dona Ceiçinha. Existirá maior orgulho? Foi numa tarde morna de um quinze de setembro, que minha mãe precisou sair da fila do confessionário na igreja da Catedral. Será que uma santa como a minha mãe poderia ter algum pecado? Ah sim, minha mãe é uma santa com toda certeza e, através dela, tenho conseguido as graças que guiaram a minha vida inteira. Ela teve de andar mais apressadamente os poucos mais de cem metros que separam a Catedral da casa da minha avó. Quinze minutos depois, eu via a Rua Dom Quintino pela primeira vez. Por isso eu considero a Rua Dom Quintino, a rua mais importante do Crato. Lembro-me que mamãe reclamava quando eu andava por lá somente de calção e pé no chão: “Não faça mais isso, meu filho, a Rua Dom Quintino é um pedaço de Copacabana no Crato”.

Poucos dias após meu nascimento, fui transferido para o Sítio São José, onde moravam meus pais. Por lá cresci entre os canaviais e, aprendi as primeiras letras com minha tia afim, Hélia Abath. Diferentemente dos meus outros nove irmãos, que iam estudar no Crato ao completarem seis anos, eu, por ser o filho caçula, fiquei mais tempo com meus pais. Assim bebi mais sabedoria com os conselhos de minha mãe e o testemunho de homem probo que foi o meu pai durante os seus sessenta e cinco anos de vida.

Aos oito anos fui morar na Rua Teófilo Siqueira, numa casa que meu pai acabara de construir. Essa casa tinha o muro do quintal fazendo fronteira com o quintal da casa da minha avó. E foi construído um portãozinho unindo os dois terrenos. Pronto, aí estava a minha salvação. Eu era muito preso em casa e proibido de sair à rua para brincar com os outros meninos. Por esse portãozinho maroto, com a desculpa de visitar a minha avó, eu ganhava a Rua Dom Quintino. Depressa fiz amizades com Orlando da Bicuda, conheci os primos Marcos Cartaxo Esmeraldo e José Esmeraldo Gonçalves, o menino mais danado daquela época. Anos depois, ele ganhou do Padre Gomes o apelido de Zé Lorota. Embora hoje ele afirme que o apelido faz algum sentido, pois virou jornalista, dou meu testemunho que ele não era mentiroso de forma alguma. Mas creio que esse apelido, anos mais tarde, fez com que ele perdesse alguma namorada.

A Rua Dom Quintino do Colégio Santa Tereza e suas internas tão apreciadas pelo Orlando, coroinha oficial da capela do colégio, a quem eu, todo trapalhão, ia ajudar na Bênção do Santíssimo Sacramento, para boas risadas das internas. Delas me lembro somente da Toinha Antero, que não vejo há anos. Ela ainda muito pequena sentava no banco da frente, na capela. Ao contrário do amigo Orlando, nunca passou pela minha cabeça de oito anos de idade namorar alguma interna. Estava mais para perturbar a irmã Pia, porteira do Colégio, tocando sucessivas vezes a campainha e me escondendo para que ela não me visse quando viesse abrir a porta. Para mim, já era altas horas, mas no máximo, oito e meia da noite. Um dia, ela se escondeu por trás da porta e me pegou, acabando dessa forma com meu brinquedo preferido.

A Rua Dom Quintino começava com a casa da minha bisavó torta, Mãe Zarena, embora ela fosse muito elegante e retinha e sua filha, a minha querida e inesquecível tia Lurdinha. Vizinho a elas existia a bodega de dona Joaninha e os famosos pirróis. Numa casa mais à frente, residia Maria Norões, a quem eu e o primo Zé Esmeraldo testávamos a paciência, fazendo muito barulho defronte da sua porta e agravando mais ainda suas freqüentes dores de cabeça. Na Rua Dom Quintino morava quase toda minha família: Tia Pia Cabral, irmã do meu avô e mãe do primo e cunhado Huberto Cabral, José Sarto, além de um monte de filhas: Irene, Cléa, Sarah, Lúcia, Divani, Lurdinha, Bernadete, Francinete e outras tantas, que até hoje não sei ao certo quantas são. Mais à frente, moravam; vovó e tia Cira, Dalvinisa, Stelina, Neném, e o casal Vicente Arnaud e Rosalva, donos de uma bodega com venda anotada na caderneta, onde eu me empanturrava com as chupetas de mel de abelha, deliciosas como é a Rua Dom Quintino. No meio do quarteirão estava o palácio do morador mais importante da rua, o bispo Dom Francisco, que sempre guardava alguns bombons no bolso da batina para nos presentear. Depois do Palácio do Bispo, uma coleção de casas iguais, onde numa delas residia um jovem casal com poucos dias de casados. Defronte dessa casa, encostados na parede do Colégio Santa Tereza, todas as manhãs, eu e o primo Marcos e mais um grupo de meninos fazíamos uma parada obrigatória no caminho da escola, para assistir a saída do marido e os beijos de despedidas desse casal. A maioria daqueles moradores ainda se encontra por lá: Edicio Abath e minha prima Bernadete, com quem morava seu irmão Marcos, o paraibano Zelo e seus filhos: Cicera Policarpo, Pombo Novo, Zelo Filho e tantos outros. Mas um pouquinho à frente, residia o grande Abdoral e suas cítaras, pai dos artistas famosos Abdoral e Pachelly. A Rua Dom Quintino terminava na casa da minha querida tia Rosinha, a pessoa da família que mais viveu; 101 anos.

Sempre que eu volto ao Crato, não dispenso um bate-papo à noitinha, na calçada da casa da minha irmã Maria Zélia, na Rua Dom Quintino, é claro, a rua da minha vida, a minha rua.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

4 comentários:

João Marni disse...

Carlos, a sua rua é mesmo uma das mais animadas do Crato.
E a calçada de tia Zelia um relax. bjs

jair rolim disse...

Carlos vocè não é o último a nascer em casa. Em 1949 eu nasci na rua do fogo, acho que hoje é a senador pompeu. Tia Rosa era filha de papai zeco dos currais? seria ela a penultima dona da casa dos leões. esse seu texto mata de chapéu. quantas saudades da terrinha. vou contar os dias, em julho a gente toma uma cervejinha por lá e bota esse assunto em dia.
abraços
Jair Rolim

Claude Bloc disse...

Ei, Carlos,

Demais o teu texto...
Dá um nó na garaganta de tanta saudade do nosso CRato... Das nossas ruas... Do nosso povo.

Adorei ler.

Abraço a você e Magali.

Claude

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Prezados amigos: João Marni, Jair Rolim Rolim e Claude.

Muito obrigado pelas palavras de vocês. A Rua Dom Quintino é como bem dizia minha mãe:"um pedaço de copacabana no Crato". E aquele papo na calçada de Zelita só não sabe o quanto é bom, quem nunca sentou por lá.

Jair, a tia Rosinha que morava no final da Rua Dom Quintino era uma irmã de minha mãe que foi professora de Português do Colégio Diocesano e neta do Papai Zeco dos Currais, nosso bisavô. A outra tia Rosinha que foi dona da casa dos Leões onde moraram seus pais e talvez você também, era filha do Papai Zeco e irmã da minha avó, e do seu avô, o tio Cícero Pinheiro.
Sabia que eu ainda a conheci nos seus últimos dias morando no abrigo?