O Reverso da Saudade
Às vezes sinto falta de alguma coisa que eu nem sei o que é. Algo que, me parece, já esteve em mim, porém, não consigo identificar. Fico imaginando que poderia ser qualquer coisa da minha infância que hoje não posso mais ter. Penso então imediatamente na minha cidade natal. Pacata, pequena e com poucos atrativos. Mas com apenas três anos minha família mudou-se para outra cidade que, embora, seja mais nova, é umas das mais prósperas do estado.
Com dezoito anos voltei novamente nesta minha pequena terra. Ela continuava igual, senão, menor, isso era incrível! Poucas coisas tinham mudado e as notícias que vinham de lá através dos familiares nestes anos de ausência eram apenas de óbitos. Mas isso não me entristecia, na verdade, a maioria das pessoas que já tinha se ido, não era conhecida, nem amiga ou um que outro parente longe que eu só tinha ouvido falar de nome. Entristeço-me, claro, com minha convicção, por vezes, de que a vida é um tanto cruel (pois muito breve), na medida que vamos perdendo nossos entes queridos para quem sabe nunca mais, pelo menos não assim de corpo e abraços e beijos e carinhos e afetos e tremenda saudades que ficará até então irmos também, para o além.
Mas a falta que eu sinto não é esta. É uma falta impalpável. Quem sabe o mundo moderno tenha nos trancado, serena e seriamente dentro de nós mesmo. E que quando ao sairmos para uma volta na lua, a rua já não seja a mesma e não só de 'boas noites' poderíamos atravessar calmamente a cinética cidade em calçadas frívolas e tantas vezes traiçoeiras, mesmo nas cidades pequenas.
Quem sabe eu sinta falta de uma tranqüilidade exagerada, mas necessária para atravessarmos o cosmo com o pensamento tão longe de tudo e dentro do peito a vontade de um vago despertar de sonhos dourados como quando tragamos um pouco de fumo e álcool sem a preocupação do câncer eminente e do vício incontrolável. Apenas o sentir do despertar das estrelas como tantos sóis iluminando-nos, e nós como parte infinita deles. Quem sabe eu sinta saudades das velhas senhoras e senhores poeticamente nas suas janelas escuras a fitar as nuvens em busca de chuva para o refrescar da madrugada.
Ou que a saudade seja de um ombro amigo onde eu possa me desabafar por completo, narrando-lhe minhas tristezas de ser humano que vive sozinho desabafando angústias de um não sei o que, um vazio que parte para fora voraz, consumindo-me de pura incompreensão.
Mas hoje, longe de minha cidade natal, separado por uns 3 mil km e 30 anos mais ou menos, vejo que o que sinto é o oposto da saudade. É andando pelas ruas desta outra pequena cidade que vejo os velhinhos contemplativos nas janelas, a cinética inócua da cidade rolando pelos meus pés, com seus ébrios poetas pelas festas de aniversários de olhares meigos e carinhosos a deslumbrar um passeio aconchegante pela lua cheia, atravessando sim o cosmo das idéias e suposições musicais e poéticas e eu me desabafando num ombro amigo as angústias do ser humano que partirá um dia sozinho para um além das esperanças e reencontros.
Hoje o que sinto é o reverso da saudade, é um resgatar de devaneios esquecidos nas andanças e peripécias de um sonhador.
3 comentários:
Que texto maravilhoso, Rogério !
Parabéns !
Parabéns, menino.
Abraço,
Claude
Demorou mas eu vim ver esse blog...hehe
Adorei o texto.
Beijo!
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