À primeira vista, Suetônio organizara um evento de suprema importância, integrando as cidades da região através do futebol. Eram tantas as fronteiras que separavam estas vilas, embebidas todas num profundo bairrismo, que a iniciativa parecia louvável. O grande problema só se percebeu às vésperas da abertura da Copa: o risco das partidas se transformarem, definitivamente, numa batalha de campo com muitos mortos e feridos. Os antecedentes não eram muito animadores. Jogadores da defesa gostavam de jogar de foice na mão e a torcida ao invés de bandeiras e faixas, normalmente, empunhava facões e bordunas. O pau ia comer no centro, fosse qual fosse o resultado. Como proporcionar segurança num evento de tamanha magnitude ? Matozinho , escolhida como primeira sede do evento, só tinha dois samangos: mais acostumados a cochilo de preguiçosa do que a investigação e campana. Só às vésperas do primeiro jogo de abertura da Macusebe Copa é que , num sonho, Suetônio despertou para a sinuca de bico em que estava metido.
Atônito, nosso Secretário fez uma reunião de emergência com os funcionários da sua pasta. Resolveram, então, tomar algumas medidas para amenizar o problema. Convenceram o Padre Nó Cego a ser juiz das partidas. Alemãozão de quase dois metros de altura, o homem de voz cavernosa, metia medo em qualquer cristão e era famoso por suas penitências pesadíssimas, que mais pareciam tarefas de gincana. O sacerdote rifugou , mas sob promessa de uma roça verdejante, para seu gado que, em pleno outubro, andava mais magro que o ferrolho da igreja, aceitou. O segundo passo foi convocar Severo e Moraes, os dois soldados municipais, como bandeirinhas. Depois, em carta oficial do prefeito, apelou-se ao espírito patriótico do Coronel Sinfrônio Arnaud, para organizar um exército que desse segurança suficiente às partidas, o que não lhe seria difícil, uma vez que só na fazenda possuía mais de cento e cinqüenta jagunços.
O certo é que na abertura da Copa já se tinha um mínimo esquema de segurança montado. As preocupações de Suetônio não foram de nenhuma maneira excessivas. A rivalidade entre as equipes, se já se mostrava grande nas prévias, se foi acentuando com o passar dos dias. E o pior é que a seleção de Matozinho começou perdendo a primeira partida, o que reacendeu antigas desavenças. A coisa pegou fogo. Alguns colocaram logo a culpa em Geracino, o maior sanfoneiro da região, que, coincidentemente, por uma três vezes, botou-se para torcer um time e ele sempre perdeu. No fim do primeiro turno, a seleção de Bertioga estava em primeiro lugar, para desespero de Matozinho e dos outros concorrentes. O técnico da seleção de Bertioga, Pedro Bãin de Cuia , começou, então a cagar-goma: O campeonato tava no papo, a região não tinha parelha para a sua seleção e por aí vai. Aposta vai, aposta vem, e Pedro jurou de pés juntos que ,se seu time não fosse campeão, ele tirava a roupa e dava uma volta, em pelo, na praça da matriz. Boca falou, cu pagou.
Iniciado o segundo turno, os ventos mudaram para Matozinho. Primeiro, porque já não havia um jogador titular em atividade. Jogavam apenas os reservas. Um pouco por conta da rigidez de Nó Cego que mandou prender uns dez infratores durante os jogos. Depois, em razão das medidas severas de Sinfrônio que já metera peia em mais de dez jogadores e cobrira no relho mais de cinqüenta torcedorezinhos mais rebeldes. Alguns dizem, também, que a recuperação da seleção Matozense deveu-se à reclusão no calabouço do pé-frio Geracino, até o fim do campeonato.
O certo é que a partida final foi emocionante. Naquele domingo , Matozinho e Bertioga se enfrentaram num jogo decisivo de vida ou morte. Zero a Zero até o último minuto quando Nó Cego apitou um pênalti contra Bertioga. O tempo fechou. Bate! Não Bate ! Se bater morre! O certo é que para resolver a questão, o Croronel Sinfrõnio Arnaud adentrou o campo e, arrodedo de jagunços, bateu a penalidade. O goleiro até que tentou pegar o tirozinho mincho do militar, mas foi impedido prontamente por dois cabras do coronel. Gol de Matozinho ! Campeão da Primeira Copa do Mundo do Macusebe.
No dia seguinte, “Bãin de Cuia” teve que cumprir a promessa. Magro que só um sibito com dengue, tirou as ceroulas e saiu correndo em volta da praça, sob os apupos gerais. Ao passar defronte a Igreja da venerada Santa Genoveva, levou um sabacu vindo do ventilador do braço de Nó Cego e desapareceu. Dizem as más línguas que o bicho foi desferido com tamanha peçonha que “Bãin de Cuia”, como um balão, não mais voltou : morreu de sede nos ares.
J. Flávio Vieira
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