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"Penetra surdamente no reino das palavras.
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Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Por Wilton Dèdê



ONTÕE DE SANTANA, O CANGACEIRO
Quando eu resolvi ir ao presídio visitar o Seu Antônio, eu não conseguia imaginar como eu ia encontrá-lo. Nunca o tinha visto. Nem em fotografia. Mas...histórias sim. E me dão conta de um homem destemido, valente, atrevido. Um perfil de todo e qualquer cangaceiro. Falei o motivo da minha visita, e ele mesmo entrou no assunto.
Antônio - Moço... todo mundo vive me perguntando essas coisa. Mas Eu fiz tudo o que fiz nessa vida, foi prá num apanhá de graça e nem morrê sem devê, viu? Foi a mode num levá nos lombo das costa sem pricisão. Pruquê no sertão era assim mermo. Num falasse não... senão o rei(relho) comia no lombo viu? e era sem perdão. Tinha que cumê todo o desaforo calado e fica mermo caladim alí num canto sem dizê nada.

Assim me explicou Seu Antônio quando lhe perguntei o motivo de ter se tornado um cangaceiro. Ele era um homem de estatura mediana, tipo mestiço, cabelo crespo e meio grisalho. Aparentava mais ou menos 60 anos.
Seu nome de batismo era Antônio dos Santos. Filho de Geraldo dos Santos e de Dona Santana Alves dos Santos. Eram do Vale do Pajeú, no estado do Pernambuco. Como muitos no sertão, o boca a boca incorporou ao seu nome, o da sua mãe. Assim, passaram a lhe chamar de Antônio de Santana, ou Ontõe d`Santana. Foi com esse ultimo nome que ele ficou conhecido no mundo do cangaço.

A família de Seu Antônio era uma família simples. Eram apenas: Pai, Mãe e um casal de filhos. Antônio tinha uma irmã mais velha chamada Ivania dos Santos. Todos a conheciam por Vaninha, um ano mais velha. Moravam num pequeno arruado de casas próximo à Vila Belém, na Serra do Capão, distrito de São José da Mata, Cidade de Ipueiras, no alto sertão pernambucano.
Seu pai foi um homem pacato. Incansável trabalhador. Viviam numa porção de terra que explorava em regime de arrendamento, com paga de terça (uma terça parte da produção e dos animais nascidos era entregue ao dono da terra, o Coronel Alfredo Caracas). Além das roças, Seu Geraldo possuía umas poucas vaquinhas, porcos, carneiros e cabras eram criados próximo à casa de morada onde havia um pequeno açude.

Tem-se conhecimento que região do Pajeú, sempre foi palco de grandes refregas entre famílias (como o caso dos Pereiras e Carvalhos). Muitos jovens tiveram sua mocidade levada ao cemitério ou à marginalidade em virtude das mortes e vinganças acontecidas de lado a lado. Daquela região saíram muitos dos conhecidos cangaceiros das primeiras décadas do século XX. Foi neste palco de lutas e de mortes nasceu e cresceu Seu Antônio de Santana.

Já haviam se passado 26 anos naquela prisão em Salvador. Mas Seu Antônio permanecia altivo, sério, agora mais calmo, a voz mais branda e o espírito mais quieto. Dizia que não queria mais saber da vida que levou décadas atrás. Mas saibam todos que Antônio de Santana era um nome conhecido e pronunciado em toda a região do Pajeú. Pernambuco inteiro conheceu a sua fama. Foi até personagem de estórias de cordel e de cantadores de viola. O homem que foi cangaceiro desde menino.

Eu sabia que ele não queria mais falar sobre o seu passado mas...não custava tentar arrancar-lhe pelo menos uma meia dúzia de palavras. Afinal, foi conhecido como um homem destemido, de nariz empinado, do corpo fechado desafiava jagunço, policia ou Coronel de barranco. Os seus inimigos tinham vida curta. Me disse ele que não escolheu aquela vida.

Antônio - Num tem jeito mermo não... eu vou lhe contá cuma foi o acontecido no dia pior de minha vida. Ouviu né? Apois então grave aí.

O que ouvi a partir daí me deixou claro o motivo de surgirem tantos cangaceiros por esse sertão. Ninguém é de ferro.

Repórter - E você conheceu a morte com quantos anos? Repeti a pergunta.

Antônio - Conhecí a morte ainda minino. Pra você ver como são as coisa viu?...Eu tava brincando debaixo de um pé de umbú que tinha por detrás da minha casa. Aí de repente chegaro uns hômi com chapéu de couro diferente. Uns chapéu grande cheim de moeda e de estrela. Tudo armado de fuzil. Me pediram prá ir buscar água e comida. Eu fui e voltei com minhã mãe e minha irmã carregando as coisa prá eles. Eles disseram prá num contá nada a ninguém que nóis ia ficá em paz.. Dissero só que era cangaceiro e depois sumiram no mato.
O semblante de Seu Antônio agora estampa uma expressão de tristeza decepção, talvez motivada pela lembrança do que lhe acontecera..
Três dias depois vieram outros hômi. Dessa vez saindo pela frente da casa. Esses tinha as roupas quage iguá. Inté chapelão de couro tinha.Só num tinha estrela. Mas também eu ví que tinha soldado no mêi deles viu?

Repórter - E quem eram eles?

Antônio - Dissero que era das volanti... que tavam procurando por uns cangaceiro. Aí perguntaram por meu pai. Minha mãe disse que tava nas roça Aí eles riram um pro outro, desmontaram, pegáro minha irmã e minha mãe pelo braço. Nessa hora eu corrí e me escondí detrás d´ua moita. De lá eu pude vê o que fizéro cum elas. Maltrataro minha mãe. Chamaro de quenga, de coiteira, de tudo quanto é ruim. Buliram cum ela e cum minha irmã. Aí eu corrí pro mato, fugí mas...eu ainda ví quando atiraram e mataram as duas.

Repórter - Porque não procurou a polícia ou mesmo a justiça?

Antônio - Pruquê no mêi deles, tinha dois cabra do Coroné Alfredo Caraca, dono da terra onde nóis morava, e dois cabra do juiz Armando Bastos. Depois eu soube que eles queria mermo era pegá meu pai. Por ele não ter dado dinheiro prá campanha de prefeito do Coroné. Se eles me pegasse eles me matava. Porque agora eu era testemunha das morte de minha mãe e de minha irmã. Eu fiquei me escondendo de casa em casa. Eu num tinha pouso certo não...dormia aqui e alí, dormia no mato, nas casa de farinha, beira de currá, Fiquei sem rumo. Meus parente num me queria porque eu era mermo a morte prá eles.

Repórter - Quanto tempo você aturou essa situação?

Antônio - Dos 12 inté os 15 ou 16 anos. Eu me parecia cum bicho do mato viu? Inté que um dia eu encontrei com os cangaceiro de novo numa estrada. Eles apontaram os rifle prá mim e perguntáro quem eu era e prá onde eu ia. Num tive medo não. Parece que eu tava calejado. Eu disse – Eu já dei comida a vocês. Por sorte um deles se lembrou de mim. Aí eu contei a história e eles me levaram cum eles. Aí pronto...Daí em vante eu virei hômi por precisão. Daquela hora em vante eu tinha amigo. Alí eu sabia que tinha gente por mim viu?Me déro a roupa, o chapéu, as alpercata, tudo... Quando matei o primeiro pésti d`uma volante eu tava dentro dos 16 anos. Aí é que o respeito foi maió viu?

A essa altura da conversa, Seu Antônio demonstrava fôlego. Falava mais alto e levantou-se varias vezes ajudado pelos gestos que fazia com as mãos e braços. Suas palavras agora eram seguidas de punho serrado e dedo em riste. Por vezes avermelhava o rosto enquanto falava.

Antônio - Nunca mais baixei a cabeça prá seu ninguém. Pra nenhum fí d`ua égua viu? Quem quisesse que me respeitasse...e se num respeitasse a bala comia. E tem mais, foi volante ou foi macaco eu tava engolindo na bala. Num podia vê um. Era prá pagar o que fizeram com minha vida. Cum minha famia viu?. Cum minha mãe e minha irmã. Num era assim que queriam??? Apois souberam quem era Ontõe de Santana.

Repórter – Seu Antônio, quantos estados o senhor andou e quantos anos passou no cangaço??

Antônio – Eu num sei não. Na vida de cangaceiro você num sabe dessas coisa não. Tem noite que num dorme. Tem dia que num come. A vida é assim levada no peito mermo. Num dá prá contar tempo não. Mas eu acho que foi aí uns 15 prá vinte anos.

Repórter - O senhor lembra dos estados por onde andou?

Antônio - Rodei o Nordeste quage todo. Lembro que fui até na Bahia com o Capitão(Lampião)). E lembro também que conhecí meu Padim Ciço, lá no Juazeiro. Então eu andei foi muito num foi?

Repórter - O senhor chegou perto de morrer?

Antônio - Muitas vezes. Mas eu enfrentei de peito e vencí na bala. Eu num tinha mais o que perder. Só tinha o que buscar. Fama, dinheiro e vingança até um dia eu parar. Pruquê na vida que eu tava eu num tinha paz não.

Repórter - E como foi que o senhor foi preso?

Antônio - Numa covardia muito grande. Um coiteiro me entregou pra policia pouco antes da desgraça de Angico quando morreram quage tudo lá. Eu era prá tá lá também. Por pouco num morri lá com os outros.Eu tinha ido buscar umas balas do Capitão. Depois me pegaram porque os coiteiro me delataram. Tô aqui já faz mais de 20 anos.

Repórter - Quando o senhor sair vai fazer o quê?

Antônio - Hômi... eu num sei não. Num sei nem como é o mundo aí fora não. Aqui ninguém pode nem botá a cabeça fora não. Mas eu só digo uma coisa a você viu?: Se bulirem comigo de novo é bem arriscado d`eu voltar aqui prá dentro nessa merma hora. Eu num aguento desaforo de ninguém não...

Seu Antônio deu uma cuspida pro lado, pediu licença, e disse: Eu já vou... a história acaba por aqui.

Antônio me deu boa tarde e se foi. E lá fiquei eu a imaginar... a pensar na história... a imaginar... Por que o cangaço existiu???

Nota do autor - Todos os dados, pessoas, lugares, etc., existentes neste texto são fictícios. Qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência.

Um comentário:

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Caro Dêdê

Li e gostei muito do que li que me fez recuar no tempo.
Quando eu era criança, existia um trabalhador no sítio vizinho ao nosso, no São José, um preto seco, com os quartos que pareciam quebrados e por isso andava com as cadeiras meio de lado. Conhecia-o pelo apelido de "Mano Véio". Diziam que ele havia sido cangaceiro de Lampeão e tinha os quartos daquele jeito por muitas balas.
Certa vez perguntei a ele se era verdade e ele disse: "É mentira do povo, patrãzinho. Eu apenas olhava..."
Um abraço