Da "Societé des Américanistes de Paris"
Várias vezes por dia o Integralista ouve e diz essa palavra bárbara e prestigiosa "anauê"!. De onde nos veio? O Chefe Nacional indica as vozes fortes dos amerabas e entre eles o Tupi. Que quer dizer "anauê"? É uma saudação? Um excitamento? Nós empregamos como uma saudação equivalente ao "hurrah" britânico. O "hurrah" é um resíduo guerreiro. É o que resta de um grito de ataque dos germanos. Seu radical, hurr, é guerra.
O nosso "anauê" é mais sereno e melódico. Sente-se que é vocábulo indígena. Um milhão de brasileiros usa essa palavra misteriosa e unificadora.
Mas nós ignoramos seu significado. De minha parte, tenho feito indagações e buscas. Na literatura integralista, só Gustavo Barroso tentou a explicação. Em "O que o Integralista deve saber" (p. 149), o grande
erudito brasileiro examinou inteligentemente o vocábulo. Suas fontes de consulta não foram propícias. Couto de Magalhães e Teodoro Sampaio, o mestre do nhengatú, falharam. O dois tupilólogos não escreveram tudo quanto devemos ler para adiantar passo na "bela língua". Teodoro Sampaio estudou mais a toponímia e Couto foi, com os rudimentos de gramática inferiores ao velho padre Anchieta, um magnífico divulgador de lendas e tradições das selvas brasileiras. Gustavo Barroso, habituado a
vencer, confessou a simplicidade dos seus orientadores. Nem achou a tradução de yauê, que é apenas o mesmo.
As saudações tupis correspondentes aos nossos bom dia, boa tarde e boa noite, são iané coéma, iané ara, iané carúca e iané pitúna.
Iané é pronome "nós", "nosso". Iané coéma, nossa manhã, é o "bom dia". Diz-se até o meio-dia, quando a saudação muda para iané ara, nosso dia. Tardinha até o crepúsculo, saúda-se iané carúca, e, sol posto, especialmente nas despedidas, iané pitúna, nosso escuro, nossa treva, nossa noite.
São estas as saudações tupis.
O saudado deve necessariamente responder. Dirá apenas indauê. Indauê é uma contração de indé, tu, e iauê, mesmo. Traduz-se, literalmente, por "o-mesmo-tu", o mesmo desejo para ti. Iané ara! Indauê!
Aí estão as cortesias dos guerreiros tupis, quando se encontram.
Indauê dará anauê?
Em 20 de dezembro de 1934, consultei uma autoridade com quem privo e me dá a honra da correspondência. É o padre dr. Constantino Tastevin, professor no Instituto Católico de Paris e professor de Etnografia. O padre
Tastevin esteve vinte anos nos rios amazônicos e sua bibliografia é rica e maravilhosa de cor e de espírito.
Tastevin respondeu-me a 26 do mesmo mês e ano. Vantagens do avião que levou de Natal a Paris seis dias ou menos, porque Tastevin respondeu seis dias depois de minha carta.
Ensina Tastevin:
o vocábulo "anauê" não pode ser outro, caso seja emprestado do tupy, senão a resposta vulgar a toda a saudação da língua geral: - Ndawé!
Eu acreditei um tempo que essa palavra devia analisar-se nde yawé, tu também. Mas agora duvido dessa análise.
De fato, a saudação é conforme a hora do dia:
Yáne koéma: amanhecemos.
Yáne potúna: anoitecemos.
Yáne kurúka: estamos na tarde.
Não há portanto razão para responder: Tu também. A única resposta razoável seria a expressão tão célebre, vulgar e comum no Amazonas: "É verdade!" "É isso mesmo!" Assim o compreende a população atual.
Portanto Ndawé! = Yawé-te!
O a acrescido não tem razão de ser. Certas pessoas pronunciam endawé, com um e mudo, dente a dente = a mudo português. Mas em realidade a tal letra não existe na boca dos peritos.
Por outro, este é o único caso onde se emprega a palavra ndawé!
Como foi que se passou de y para nd é que não posso explicar... Mas no decurso dos tempos dão-se tantas alterações ainda mais esquisitas!
A passagem nd para n é comum: nawé por ndawé; a de ña para ya também. Fica para explicar a de na para ya ou nã. Há outros exemplos: a citar, yandu por nandu.
Aqui finda o douto Tastevin. Sua explicação está perfeitamente de acordo com as minhas deduções. Tastevin emprega o w pelo u. Para ele,
o anauê é uma corrução do ndawé, indauê nhengatú.
Será mesmo?
Com essa tradução, o nosso grito de aclamação é inexpressivo. Pelo menos, pouco expressivo. Fazendo a versão gramatical do tupi, três anauês pelo Chefe Nacional!...
É Verdade! É Verdade! É Verdade!
Ou então: - É isso mesmo!...
Pode ser que seja. Aí fica uma segunda tentativa de explicação.
"Anauê" pode ser palavra do tupi não usada pelos indígenas, mas construída, gramaticalmente certa, pelos eruditos. Pode ser um vocábulo artificial e legítimo. Um neologismo da língua geral. A catequese criou centenas. Itauê é mesmo e também igual. Quando um índio quer dizer "meu igual", diz ce amu iauê. Ce, meu; amu, outro; iauê, mesmo ou igual (meu-outro-mesmo ou igual). Anauê pode ser um vocábulo "construído" dessa forma: - a-nâ-iauê, ou (a) nâ (fundido, junto, unido) iauê (mesmo
ou igual): - anaiauê-anauê, com a queda do i vocálico e a fusão das vogais a-a. Teríamos anaiauê, forma inicial do contrato anauê, eu-junto-com-os-iguais; eu-reunido-aos-outros-iguais. É logicamente um grito de unificação, de solidariedade, de reunião.
Anauê, para todos os modos, é voz de apelo, de agrupamento, toque-de-reunir. O emprego como aclamação seria uma aclimatação de voz
militar nas cerimônias civis.
Como "hurrah" chegou a constituir o mais pacato dos berros entusiastas, anauê pode se haver transformado também.
Não posso provar, mas sonho que, inicialmente, anauê seja um grito, um sinal, uma ordem de reunião, de coesão, de agrupamento. De Integralismo, evidentemente. Mas, que quer dizer "anauê"? A viagem pelo tupi não aclarou a significação negaceante. Nem podia aclarar.
Anauê não é vocábulo do idioma tupi como julguei sempre.
É uma palavra, cujo sentido ignoro, da língua dos Pareci, índios Nuaruacos da província do Mato Grosso. Roquette Pinto recolheu ("Rondonia", fonogramas 14.594 e 14.595) uma cantiga Pareci, onde deparamos o famoso "anauê".
ah ah ah ah ah ah
Noai anauê noi anauê
Noai anauê noi anauê
ah ah ah ah ah ah
etc...
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