Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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domingo, 13 de setembro de 2009

Calçada molhada, domingo azul - Pedro II , a rua de todos os meus tempos- Por : Socorro Moreira

Foto: Pachelly Jamacaru )

Uma figura humana , a rua, e fios. Esses elementos me atiçam !

Um céu azul, um chão molhado

Sem a esquina de Seu Adauto.

Quase revi Dona Otília

Luzanira, Odília...

Dona Suzete , e Dona Santinha

Meus avós paternos

Dona Liô,

Soledade e Neli...

Não deveria tecer uma história em cima de uma foto artística . A foto passa a representar um presente , que reconta um tempo, e eu quero falar de mais gente !
A Rua Pedro II é da minha criancice. Será da minha velhice , que retarda a hora , porque ainda é cedo, agora...!


Infância na Pedra Lavrada - Anos 50

Fui menina na Pedra Lavrada.Brinquei na calçada de combinação, cinturão-queimado, cabra-cega.Pulei corda, bamboleei,dancei frevo, dancei samba ,soltei cebolinhas, chuvinhas e balões,
nas noites de São João.
Apaixonei-me "Come Prima" aos 6 anos de idade, e com essa idade, escrevi minha primeira carta de amor:
"Querido Joaquim"...
Pedalei nas calçadas, em manhas de sol ,tive falsos crupes,quebrei três vezes a clavícula, torci o pé, outras tantas, e eu nem era tão traquina! Meu corpo se intimidou de medo, e nunca mais peralteou!
Na Pedra Lavrada perdi meu avô, escutei minha mãe parir , meu pai cantar, assobiar e tomar Brahma. Quis imitá-lo e ouvi do meu avô :"mulher não assobia.”
Na Pedra Lavrada dos anos 50 , a gente comprava lenha , leite , pão, nos carrinhos-de-mão .
Tomei injeção de bismuto com Dona Soledade , e pra completar o tratamento , minha mãe cauterizava minha garganta com uma solução de "colubiazol". Comi “crespo" da casa de Dona Santinha, brinquei de boneca com Nájela de Dona Lourdes, e mais as outras meninas, próximas ou acanhadas:
Teresa Neuma (filha de Dona Júlia), Valda Farias (filha de Seu Modesto e Dona Adalgisa),
Irenilde, as meninas de Seu Vicente Chicô, Cirene de Dona Otília, Ziana de Seu Adauto,
Dólia, Dagmar, Bernadete, Lúcia e Joanita Primo.
No quarteirão de cima, os Lemos.No quarteirão de baixo, os Siebra Brito da Ponta da Serra.
No meu quarteirão, o violão de Vicente Padeiro, e a vitrola do meu pai, em toda altura.
Li todos os livros de Dona Liô ; estudei com Dona Neli ; risquei de carvão as calçadas ;fiz vestidos de boneca; tremi com medo das almas ;, acordei com goteiras, e a canção da chuva, nas telhas.
Aprendi catecismo no Abrigo das velhas, catei carrapetas no parque , sempre esperando um lobo, que nunca veio .
Meu primeiro livro foi o Patinho Feio . Infância de complexos, até descobrir que eu era um cisne,
foram-se muitas décadas.
Comi chouriço, mel de jandaíra, sequilhos na banha de porco ,tripa de porco torrada no jantar, e pudins caramelados,sem leite condensado.
Tive tracoma, coqueluche, febre asiática...Era um luxo, tomar guaraná natural com biscoito champagne , comprados em João Gualberto.
Fomos embalados,no ranger dos armadores. Vozes entoando samba-canções,e ameaçando a chegada do bicho-papão. Tomamos banho de tina , na água quebrada a frieza, aromatizada com folhas de eucalipto. Fazíamos xixi em urinóis, vestíamos pijaminhas de flanela, vestidos com sianinha, gregas, babados de organdi plissado , sapatos de verniz e meias de seda.
Ouvimos o som do pilão,na hora da paçoca, que a gente comia com baião.
Tomávamos água do pote e quartinha ; rezávamos pro anjo-da-guarda, antes de dormir,
e acordávamos com o barulho do chiqueiro.
Comi pão-de- feito por minha avó. Fumei cachimbos de brinquedo com folhas secas de alfazema. Usei óculos receitados por Dr. Herbert, acordei de sonhos e pesadelos , sóbria, ou levemente bêbada...?
E o tempo voou . Cai no futuro de asas quebradas. Estou viva,embora tenha morrido sete vezes!

2 comentários:

Ana Cecília S. Bastos disse...

Que coisa boa, Socorro, encontrar aqui essas lembranças, tão parecidas com as que fazem parte de minha infância, e, com certeza, de tantos outros companheiros desse espaço aconchegante que é o Cariricaturas (meu irmão, que passa por aqui às vezes, chama de "Cariricriaturas").
Muito gostoso de ler, mesmo. Grande abraço!

jose vicente disse...

Parabens Socorro.Bela materia