Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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terça-feira, 15 de setembro de 2009

Em cima da serra. - Por Claude Bloc

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A casa de Manuel Dantas no alto da Serra Verde
( a partir de minhas reminiscências)


Hoje subo a serra, com o peito aflito e o pensamento afoito. Quantas vezes percorri o tempo naquela ladeira?

Lá morava Seu Manuel Dantas, um dos fiscais da fazenda, e sua prole. Doze filhos. Dona Hermínia que era a candura em pessoa, foi para mim, enquanto viveu, uma dessas mães que a gente adota na infância. Era pra lá que eu queria fugir quando pequena. Subindo a ladeira. Indo ao encontro de minha imaginação infantil. Lá se comia “pão de milho” – o cucus feito de milho moído até virar massa e cozido no vapor em cuscuzeira de barro - e ovo frito ou torresmo. Isso para mim era o símbolo da liberdade, a ausência da obrigatoriedade de costumes franceses: comer verduras e legumes nas refeições.

Pois um dia, fiz uma trouxinha com o lençol do berço de Dominique e algumas roupas de que eu gostava e, assim, tentei escapulir para me arranchar na casa de Seu Manuel. Antes, porém de conseguir meu intento, fui flagrada por mamãe tentando pular o muro, visto que eu achava que se saísse pelo portão não caracterizaria uma fuga. Imaginativa, portanto!

Creio que eu devia ter uns sete para oito anos, nessa época. Era inquieta. Queria viver. Aventurar-me. E Dominique, mais nova, era “impingenta” e enredava todos os meus “mal-feitos” a mamãe sempre repetindo meu nome no final do discurso: “mamãe, Claude me bateu, Claude!”. Era chata, a menina. Lá em Seu Manuel havia muita gente. Teria como preencher meu dia sem ter que aguentar aquela fiscalização da Dominique, sempre nos meus calcanhares.

Depois desse episódio frustrado, segui o curso de minha vida sempre convivendo com essa gente. Por toda minha infância e adolescência era de praxe, nas férias, fazer guisados embaixo de um frondoso pé-de-juá que ficava no terreiro da casa dos Dantas. Seu Manuel preparava um ambiente acolhedor com paredes de palha trançada e estacas ou forquilhas para armar redes, punha uma mesa rodeada de tamboretes, radiola com discos de vários sanfoneiros e a comida passava pelo capote e terminava em peba, galinha, “bacurim”, enfim, uma mesa farta, sem dúvida. De tarde a música troava. O chão de terra batida era aguado para diminuir a intensidade da poeira fina do barro vermelho. A gente dançava até o anoitecer...

Agora a casa de Seu Manuel foi destruída. Ele e Dona Hermínia estão lá em cima de prosa com seu Hubert e Dona Janine. Os filhos estão dispersos pelo Cariri, dois em São Paulo. Mundinha que passou a vida lá em casa cuidando primeiro de Dominique, depois de Bertrand, mora em Crato e sempre a vejo e visito. Tem a sua própria prole.

A serra, na Serra Verde, apagou-se. Pouca gente passa por lá. A alegria da gente ficou presa nessas lembranças, nesses sorrisos musicais que ecoaram pelos vãos da serra. E como disse, hoje subo a serra com o peito aflito e o pensamento afoito.
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Texto e desenho a mão por Claude Bloc
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6 comentários:

socorro moreira disse...

Claude, que desenho mais lindo e delicado !
Ameiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Nem senti falta do verde.Ele saiu de mim , através do olhar.
A tua história complementou o desenho. Os dois são imorredouros !

Heladio disse...

Cara Claude

Você além de poetisa, memorialista,etc,etc...é uma exímia desenhista!
Heládio

Ana Cecília S. Bastos disse...

Que delícia de texto, Claude!
uma vez também "fugi" da escola, com meu irmão Beto (eu 5, ele 4 anos). Ele achava que íamos para "o mundo" para nunca mais voltar.
Tenho igualmente recordações de pessoas queridas, simples e generosas, casas tão abertas.
Também amei seu desenho.

Claude Bloc disse...

Agradeço a vocês pelas palavras de apoio e incentivo.

Desenho muito pouco. Creio que a palavra escrita tomou o lugar do desenho e da pintura.
Prefiro ver o que fazem de lindo por aí.

Um abraço a vocês.

Claude

Unknown disse...

Quando você descreve a Serra Verde tem um realismo tão grande que passa um verdadeiro filme em minha cabeça. Conheci o "Seu Manoel" e quando ia passar minhas férias, era lá que eu primeiro me instalava. E assino em baixo tudo que escreves-te.

Armando Rafael disse...

Não conheço a Serra Verde.
Mas o que tenho lido - nos últimos dias - sobre esse recanto fez com que eu passasse a ter simpatia por esse lugar...