"Pra mim, chega" foi uma das últimas frases escritas por Torquato Neto. Estava no bilhete de despedida encontrado ao lado do seu corpo quando ele se suicidou na madrugada de 9 de novembro de 1972. Pra mim chega (Casa Amarela, 234 páginas, R$ 36) é também o nome da biografia escrita pelo jornalista Toninho Vaz, um curitibano de 57 anos que em 2002 havia publicado O bandido que sabia latim, a biografia de outro poeta, Paulo Leminski.
Resultado de anos de pesquisa, que incluem a realização de 73 entrevistas com pessoas próximas a Torquato – apenas Gal Costa, Maria Bethânia, Waly Salomão, Gilberto Gil e Dedé Gadelha (ex-mulher de Caetano) se negaram a falar –, Pra mim chega teve uma trajetória polêmica, trocando de editora (começou na Record e acabou na Casa Amarela, que publica a revista Caros amigos) e sendo desaprovado pela viúva de Torquato, Ana Maria Duarte. O motivo pode ter sido a revelação do relacionamento de Torquato com Caetano Veloso, que é desmentido pelo músico. "Se você me perguntar se nós éramos namorados, amantes ou coisa assim, eu posso garantir: não!"
De resto, o Torquato que emerge do livro é o personagem atormentado que já era conhecido através dos relatos dos amigos, parceiros e parentes. O garoto tímido, filho único de uma família piauíense, que desde cedo gostava de ler os poetas Castro Alves, Olavo Bilac, Fagundes Varela e Gonçalves Dias e que aos 15 anos pede ao pai que o transfira para uma escola de Salvador, onde se aproxima de Glauber Rocha, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Com eles, se muda para o Rio. Trabalha em jornais e revistas, produz letras de música, dirige e atua em filmes.
Quando a barra começou a pesar, com a decretação do AI-5 em dezembro de 1968, Torquato estava em um cargueiro dos correios britânicos, a caminho de Londres. "Vou embora porque alguma coisa vai explodir por aqui", profetizou ele aos amigos que o levaram ao porto. Na temporada européia, dividiu-se entre a Inglaterra e a França, mas quando retornou ao Brasil no começo dos anos 70 não estava muito melhor: havia rompido com os amigos tropicalistas e do cinema novo, declarava se sentir mais deprimido e – por vontade própria – se internou no sanatório do Engenho de Dentro, sendo tratado com doses fortes do calmante Mutabon D. Numa de suas últimas colunas falava de Luiz Melodia e elogiava a música Farrapo humano. Que diz: "Eu choro tanto escondo e não digo / Viro farrapo tento suicídio".
Por Márcio Pinheiro
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