--- O que aconteceu ,Terezinha?Você está doente? Está sentindo alguma dor ?Levantaram algum falso contra mim ? Quer que eu lhe ajude a tirar esta roupa de festa ?
Terezinha , muda, apenas chorava convulsivamente e aumentava o tom do pranto, em uma oitava, a cada nova pergunta do marido. Em pouco , a patroa parecia um soprano interpretando uma ópera desconhecida. Ele achou mais sensato parar e voltar à rede da varanda onde tentou , sem êxito, descobrir o enigma. Adormeceu em meio ao cansaço e a fome e sonhou com uma terra em formato de almofada, assolada por uma tempestade de carimbos. Despertou cedinho e retornou para a tarefa de Sífiso. Não adiantava mexer com aquela sensitiva, ressonando ainda com o vestido da véspera na cama. Ao retornar, à noite, encontrou-a ainda trombuda e só , então, descobriu o erro fatal: esquecera seu aniversário de vinte anos de casado. A esposa o aguardara, ontem, para um jantar a luz de velas e algum presentinho que relembrasse a data. Passara batido. Tentou desculpar-se , sabendo de antemão que para tal crime não haveria perdão, não tinha sursis, era inafiançável : estaria condenado ad eternum .
Tentou minar aquele coração pétreo com afagos, com uma posição diferente na cama, com um almoço arrumado de última hora e um perfume francês. Mas tudo parecia exatamente o que era : uma tentativa vã de corrigir um erro imperdoável. Usou então o argumento derradeiro , deslocou-se até uma floricultura e encomendou um bouquê de rosas vermelhas , aquelas que trazem o cor flamejante da paixão . Junto anexou um cartãozinho dourado , com dois pombinhos ,aos beijos em um dos cantos, e sapecou a cantada em letra bonita, com seu linguajar de tabelião:
“ Para Terezinha,
Meu maior bem móvel.
Amo-te
O referido é verdade.
Dou Fé ."
Osvaldo
Depois das flores o clima melhorou um pouco, as coisas foram voltando para o devido lugar. . Qualquer briguinha , no entanto, qualquer arrufo e lá ressuscita o terrível pecado de omissão :
--- Você não lembra, não ? Até nosso aniversário de casamento você esqueceu ...
Aprendeu, tardiamente, que o coração feminino tem arquivos impecáveis e de facílimo acesso. O detalhismo está profundamente entranhado naquelas almas :Terezinha perdoou , mas não esqueceu. Osvaldo comprou agenda eletrônica, marca as datas importantes no calendário sobre seu bureau, usa até a Internet, temendo uma recorrência fatal no mesmo crime hediondo. Contratou até algumas testemunhas que possam falar a seu favor em casos mais melindrosos. Percebe, porém, que como na vida, nos livros de tombo do sentimento não é possível passar procuração e nem substabelecer.
J. Flávio Vieira
7 comentários:
José Flávio,
Xerox autenticada e firma reconhecida....kkkkkkkk
Quem já não esqueceu uma data importante neste mundo louco ?
Parabéns pelo texto !
Grande abraço !
Abraço à Edilma por ter tido a paciência de ler o texto. Um grande abraço,
Zé Flávio
P.S. - Tou te devendo os livros, mas não esqueci.
José Flavio,
Sou sua fã.
Estarei no Crato nos primeiros dias de janeiro. Seria um belo presente de Natal...kkkkk
Sem cobranças, fique avontade.
Um Feliz Natal e um Ano Novo repleto de alegrias;
Deus lhe abençõe !
Grande abraço !
Edilma
José Flávio, esse pecado de esquecer o aniversário de casamento não tem perdão. Gostei do texto!
Abraços
Magali
Abraço à Magali e ao Carlos, que não é nem doido de esquecer uma data dessas.
Zé Flávio
Se isto ocorrer eu tou é "lascado". O aniversário do nosso casamento é no mesmo dia do aniversário dela.
Postar um comentário