Lembro-me dos meus aniversários em que havia no bolo menos de uma dúzia de velas e dos gritos agudos em torno da mesa, repleta de irmãos e amigos, do sopro forte apagando-as de uma vez, com o parabéns.
Aparentemente o tempo arrasta-se, mas é de fato meteórico: hoje seriam necessárias sessenta velas ocupando o cume do bolo, uma verdadeira favela de tantos dezembros... Por praticidade, porém, apenas duas - o seis e o zero - e não precisa entrar em apnéia de tanto soprar!
É chegada o momento em que o homem muda de fila e vê os umbrais da última fase da vida a convidá -lo para reflexões tantas, inclusive a coniência de que o vento deste sopro sobre as velas acaba de apagar sua juventude, num adeus ao pensamento da imortalidade e da inimputabilidade tão peculiar desse estágio. O que este cabelos
brancos me avisam e me pedem é que eu fique mais atento ás necessidades das
pessoas e que definitivamente eu quebre o espelho de Narciso. Magicamente, cruzando a lâmina dágua da cascata da vida, vislumbro agora a todos que não ajudei e que de alguama forma não soube compreender.
Peço-lhes perdão.
Propensa como é a mente humana a familiarizar-se com facilidade a qualquer mudança, desde que seja para melhor, sinto-me hoje muito à vontade e confiante para o que se convencionou chamar de terceira idade, pois afinal posso voltar a engatinhar, fazer caretas e mil piruetas sem que ninguém ache que enlouqueci, porque estarei a brincar com os netos... Quando lembro que sarampo, diarréia, remela, unha quebrada e cabeça raspada eram minha mazelas... Comparadas à minha saudade de papai e mamãe hoje, concluo que realmente a infância é a aurora da vida, com o barulho de asas em vôo ascendente num céu azul.
Dos sessenta anos de agora, quarenta têm sido com Fátima, desde fevereiro de 1969, com todos os humores da vida. Sinto-me responsável por cada cabelo branco dela porque contribuí para tingi-los assim. Ou de fato só o tempo é que nos desbota a todos numa nova aquarela? Nesta moldura vê-se cristalinamente que vossos olhares estavam convictos que seríamos mesmo um do outros: ''... esse seu olhar, quando encontra o meu... doce é sonhar e pensar que você gosta de mim e eu de você...''
O outono da vida é a idade em que deixamos de ser jovem. Já não tenho que agradar a todos, só àqueles que realmente me importam: a família e amigos de verdade, catados e cativados ao longo dos anos. Entro agora na ''prorrogação'' da vida, torcendo que o ''gol de ouro " demore a sair! Amanhã, posso até ficar cego, mas já tenho a minha paisagem na memória: vocês, o céu, morros e matas da cidade do Crato. Ao fundo, o arco-íris da minha remota infância.
Abrindo esta nova cortina, sinto que terei que ser bom, melhor e deliciosamente melhor, para que minha família e as pessoas em geral gostem de mim e que Deus venha a me querer. No meu julgamento, que meu coração não pese tanto e que o pai também tenha lapsos de memória!... Se perguntado pudesse eu viver minha vida novamente, diria que a viveria como vivi, podando alguns excessos, mas não todos os meus erros, afinal foram também eles que me compuseram e me trouxeram até aqui.
Concluo afirmando que hoje, nova etapa, sou um homem feliz e sex... sexagenário!
Crato, 21.12.2009
João Marni de Figueiredo
Aparentemente o tempo arrasta-se, mas é de fato meteórico: hoje seriam necessárias sessenta velas ocupando o cume do bolo, uma verdadeira favela de tantos dezembros... Por praticidade, porém, apenas duas - o seis e o zero - e não precisa entrar em apnéia de tanto soprar!
É chegada o momento em que o homem muda de fila e vê os umbrais da última fase da vida a convidá -lo para reflexões tantas, inclusive a coniência de que o vento deste sopro sobre as velas acaba de apagar sua juventude, num adeus ao pensamento da imortalidade e da inimputabilidade tão peculiar desse estágio. O que este cabelos
brancos me avisam e me pedem é que eu fique mais atento ás necessidades das
pessoas e que definitivamente eu quebre o espelho de Narciso. Magicamente, cruzando a lâmina dágua da cascata da vida, vislumbro agora a todos que não ajudei e que de alguama forma não soube compreender.
Peço-lhes perdão.
Propensa como é a mente humana a familiarizar-se com facilidade a qualquer mudança, desde que seja para melhor, sinto-me hoje muito à vontade e confiante para o que se convencionou chamar de terceira idade, pois afinal posso voltar a engatinhar, fazer caretas e mil piruetas sem que ninguém ache que enlouqueci, porque estarei a brincar com os netos... Quando lembro que sarampo, diarréia, remela, unha quebrada e cabeça raspada eram minha mazelas... Comparadas à minha saudade de papai e mamãe hoje, concluo que realmente a infância é a aurora da vida, com o barulho de asas em vôo ascendente num céu azul.
Dos sessenta anos de agora, quarenta têm sido com Fátima, desde fevereiro de 1969, com todos os humores da vida. Sinto-me responsável por cada cabelo branco dela porque contribuí para tingi-los assim. Ou de fato só o tempo é que nos desbota a todos numa nova aquarela? Nesta moldura vê-se cristalinamente que vossos olhares estavam convictos que seríamos mesmo um do outros: ''... esse seu olhar, quando encontra o meu... doce é sonhar e pensar que você gosta de mim e eu de você...''
O outono da vida é a idade em que deixamos de ser jovem. Já não tenho que agradar a todos, só àqueles que realmente me importam: a família e amigos de verdade, catados e cativados ao longo dos anos. Entro agora na ''prorrogação'' da vida, torcendo que o ''gol de ouro " demore a sair! Amanhã, posso até ficar cego, mas já tenho a minha paisagem na memória: vocês, o céu, morros e matas da cidade do Crato. Ao fundo, o arco-íris da minha remota infância.
Abrindo esta nova cortina, sinto que terei que ser bom, melhor e deliciosamente melhor, para que minha família e as pessoas em geral gostem de mim e que Deus venha a me querer. No meu julgamento, que meu coração não pese tanto e que o pai também tenha lapsos de memória!... Se perguntado pudesse eu viver minha vida novamente, diria que a viveria como vivi, podando alguns excessos, mas não todos os meus erros, afinal foram também eles que me compuseram e me trouxeram até aqui.
Concluo afirmando que hoje, nova etapa, sou um homem feliz e sex... sexagenário!
Crato, 21.12.2009
João Marni de Figueiredo
2 comentários:
Poeta da emoção !
Quanto mais o conheço, mais o admiro !
Abraços.
Texto para ser relido e guardado no fundo do coração. Até parece que foi escrito para expressar a minha passagem por essa época da vida. Mudaria apenas o mes de fev/69 para abr/69. Simplesmente explendido. Não poderia ter sido escrito por outra pessoa. Parabéns meu amigo anonimo.
Jair Rolim
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