Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMOR- Por Edilma Rocha



Dois jovens da antiga Vila Real se avistaram no patamar da Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Penha. Seus olhares se cruzam e os corações batem forte dando o início a um grande amor. Casam-se sob os pés da Padroeira numa manhã de domingo, tendo como testemunhas a brisa suave do Vale do Cariri e o azul da imponente Chapada do Araripe.
Ana Porsina, moça recatada de família tradicional e o Tenente Coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, unem-se em matrimônio no dia 11 de julho do ano de 1810.
Deste casal nasceram sete filhos:

Xilderico Cícero de Alencar Araripe, militar estabelecido no Rio Grande do Sul;
Neutel Norston de Alencar Araripe, agricultor e industrial estabelecido no Rio de Janeiro;
Aderaldo de Alencar Araripe, artista, funcionário público estabelecido em Fortaleza;
Carolina Clarense de Alencar Araripe, do lar, casada co Antônio Ferreira Lima Sucupira, residiu em Fortaleza;
Maria Dorgival de Alencar Araripe, do lar, casada com Joaquim de Macêdo Pimentel, residiu em Fortaleza;
Tristão de Alencar Araripe seguiu carreira de Magistratura, deputado, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, estabeleceu-se no Rio de Janeiro;
Delacardiense de Alencar Araripe seguiu carreira militar, Coronel Reformado, exerceu cargos públicos no Espírito Santo.
Dos seus filhos nasceram uma numerosa prole levando o nome tradicional dos Alencar Araripe por futuras gerações.
Tristão Gonçalves foi ardente entusiasta da idéia de emancipação política. Do Cariri foi criador de movimentos para a Independência da nossa antiga Província, seguindo em expedições ao Piauí e Maranhão. O amor dos dois sobreviveu aos sofrimentos que tiveram que passar junto com os filhos nas constantes perseguições. Nessa época apenas despontavam rumores da Independência do Brasil em torno de 1817. As notícias dos protestos contra a política Imperial por parte do Coronel Tristão Gonçalves, chegam aos ouvidos do Duque de Bragança e ele é declarado como um traidor da Pátria. Foi preso junto aos seus companheiros, algemado, grilhões nos pés e levado da Capitania do Ceará para a Bahia, à bordo de um navio sofrendo ultrajes, perversidades, fome e sede. Ana Porsina, com o coração cheio de dor pela separação do seu amado e sofrendo dificuldades, foge na companhia do irmão, o Coronel, João Franklin de Lima, atravessando os sertões, levando os filhos para encontrar o aflito marido. Ali permanece acompanhando os infortúnios da vida e da sorte, até 1820.
Neste ano foi solto Tristão e retornam com a família para o Crato. Sabiam que não seriam dias de paz e felicidade que lhes esperava, pois conhecia o espírito guerreiro do marido que não foi intimidado pelos sofrimentos passados. Ainda perdurava o amor à Pátria querida e sabia que iria sacrificar o futuro, a tranqüilidade da família pela Pátria livre, independente e feliz. A única alegria seria a de encontrar os familiares e amigos na terra querida, o Crato.
Desporto o Presidente Pedro José da Costa Barros, da governadoria da Província, foi eleito pela Câmara da Capitania, em 29 de abril de 1824, substituindo-o. Meses depois Tristão Gonçalves proclama diante do Clero, nobreza e o povo, a Confederação do Equador. Mas não durou muito, o estado do Pernambuco fraquejou e abandonou a causa. Boatos surgiram de que em Aracati se organizava uma contra revolução. Tristão prepara-se para partir do Crato para impedir o movimento.
Ana Porsina implora ao amado que não parta para a Batalha. Roga pelos filhos, pelo sofrimento suportado sem nunca ter pronunciado uma única palavra de lamento, cumprindo o dever de esposa obediente de um militar. Mas Tristão não se rende as suas lágrimas e diz que a defesa é Santa e a Vitória Certa e que irá lutar até o último sinal de vida. Ela resignada pede-lhe um último abraço...
Seus corpos trêmulos de paixão se unem pela última vez numa despedida cheia de amor e confiança. Vê o amado afastar-se e fica acenando um lenço branco ao vento... Ana segue para Quixadá e Tristão para Aracati...
Chegando à Capital, tomou conhecimento de que se havia restaurado o Governo Imperial, José Felix de Azevedo e Sá, entrega-se à Lord Cochrane.
Não aceita proceder como José Felix, ou fugir para os Estados Unidos da América, e repeliu o perdão proposto por Cochrane, seguindo pelo Jaguaribe para encontrar Filgueiras. Ao chegar no local chamado Santa Rosa, foi atacado juntamente com os seus homens por um bando indisciplinado e armados em nome do Imperialismo. Lutou e resistiu por um tempo, e finalmente foi barbaramente assassinado, indefeso e sozinho, em 13 de outubro de 1824.
Desde esse dia, Ana Porsina deixou de viver para o mundo. O punhal que perfurou o coração do seu amado, despedaçou o seu também. E daí por diante ficou conhecida por ANA TRISTE.
Cobriu-se de negro, nunca mais saiu de casa e ficou insepulta durante 50 anos numa espécie de clausura existencial, interrompida somente para as orações e doações de caridade. Foi acompanhada pela sua irmã Isabel Inocência de Lima e ninguém à via, ficava somente em seu aposento.
Os tecidos negros que lhe cobriam o corpo também se estendia a todos os objetos da casa. Nunca mais sorriu. Jamais alguém a ouviu pronunciar o nome do amado. E dos seus lábios jamais se ouviu um só lamento. Simplesmente calou. Debruçada sobre um objeto manchado de sangue que pertenceu a farda do amado, rezava incansavelmente definindo desta maneira o grande pesar que se abateu em sua alma até 15 de outubro de 1874.
Uma história de amor que se passou no Largo da Matriz da Vila Real do Crato, se confunde em outras vividas por outras gerações de cratenses na Praça da Sé. Diferenciada com o fato heróico vivido pelo nosso mártir Tristão Gonçalves e a bela Ana Triste.

Edilma Rocha
Fonte Almanaque do Ceará, 1922, Revista Provincia do ICC

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