Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 31 de maio de 2010






Por Zé Nilton


Outro dia recebi a agradável visita de dois amigos. O prof. Bernardo Melgaço chegou bem cedinho ao meu rancho. Quando olhei pro caminho, distante, lá vinha Pedro Honório.
A manhã daquele domingo resultou num duelo de titãs. O prof. Melgaço e Pedro Honório. Aquele cabeça; este cabaça. O primeiro, dono de uma mente brilhante armazenada de resultados do conhecimento sobre os homens e o mundo. O segundo, igualmente. A diferença entre os dois está na forma de apreensão da realidade. Cada um, de per si, se serviram do velho padrão dual de acesso ao conhecimento. Melgaço, intelectual orgânico, falou através dos ditames adquiridos pelos mecanismos (nem sempre, ele professa) racionais da ciência; Honório, intelectual orgânico (viva o relativismo do conceito em Gramsci) pela observação direta (senso comum).
Naquele domingo comeu-se um suculento mungunzá, prato preferido do carnívoro Pedro Honório, sem descurar do peixe cozido para o vegetariano Melgaço.
Eu, da cozinha, olhava os olhares dos dois fixados um para o outro. Seu Pedro descia um respeitoso olhar de cima para baixo sobre o prof. Bernardo. Este fitava o rosto de seu Pedro como a contar as rugas de sua vivência. Cada um esperou o mote do outro, respeitosamente.
Quebrou-se o silencio.
- Seu Pedro, disse Melgaço, o Zé Nilton tem me falado do Sr. Disse-me que o Sr. é poeta, contador de histórias, músico, mateiro, uma espécie de capitão do mato, e filósofo, o que me diz ?
- Homi, não é nada disso. A não ser do mato, outra coisa num sou. De quando em vez, dou as minha espiadas nas coisas da vida...
- O que o Sr. vê olhando o mundo ?
- Dr., olhando pro mundo redondo, vejo as composição do universo, tudo perfeito e girando
de um jeito que não se acaba nunca. Eu tenho feito previsão, lendo o “anuário prepeto” ,de coisa que eu digo pros daqui, e eles num acredita. Só acredita quando acontece, e tem acontecido muito...

- Fale-me do que o Sr. já adivinhou.

- Nunca perdo um ano de inverno. Começo em oitubro, nas primeira madrugada. Olho pra barra do nascente, pro vermei do poente, pra localização da estrela Dalva, e aí num tem perigo preu num dizer como vai ser o inverno.

Nesta altura, o prof. Melgaço perguntou a Pedro Honório o que ele lhe diria sobre a vida. Coincidiu também com o meu afastamento dos dois. Permaneci um tempão ocupado entre a cozinha e a frente da casa, atendendo a vizinhos, sem deixar, de vez em quando, de mexer as panelas e ouvir a peleja.
Numa das vezes que acorri ao fogão, o prof. Melgaço discorria sobre a teoria das cordas, um dos novos paradigmas dos inícios. Notei um Pedro Honório boquiaberto. Noutra, seu Pedro perguntava a Melgaço: você sabe por que a vida é um buraco?

Já na mesa, entre mungunzá e peixe cozido eu reparava para as duas figuras. E pensava comigo: os dois estão corretos ou são apenas concepções diferentes sobre as coisas do mundo?

Que o prof., Bernardo Melgaço tenha rápida e pronta recuperação; e que Pedro Honório, aos quase noventa anos, continue firme e forte, e me visitando, para saborear o meu (seu) mungunzá.

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