Agulha e linha
- Claude Bloc -
Rita sempre levava a vida por um fio. Era traquina, malina e esperta e sua inteligência fazia dela uma pessoa inquieta, mas monocromática. Hoje em dia, porém, prefere fazer diferente.
Em vez de negar a si mesma como personagem importante naquelas ilustrações, em vez de se perder nos arredores incertos do seu limite, ela resolveu adornar os tênues ligamentos dos seus sentimentos para ligá-los à eloqüência da razão para ver se assim começava a encarava melhor os reveses do dia-a-dia. Dessa forma, poderia tornar os sentimentos mais lustrosos diante da ausência evidente de brilho no teclado dos seus dedos e na sombra dos seus sonhos nesses últimos tempos.
Para tanto, pôs-se a sentar-se toda tarde em sua cama e nela fazer desfilar as fotos antigas que guarda numa caixa, as letras mal escritas de muitas cartas recebidas, uma a uma, fazendo disso seu rosário para novas expectativas. Assim, o tempo vai passanndo mais lento.
.
.
Vez por outra, gostava de lembrar Mamy. Sempre que se punha a remendar, além dos lençóis e das roupas de seu uso, todos os seus sentimentos, também um a um. Esse exercício quase sempre varava grande parte da noite, já que não era das mais simples tarefas. Era preciso mirar bem o fio para acertar o eixo que sustentaria aquele botãozinho no lugar devido. As fotos também bailavam por sobre a cama e aqueles personagens em preto e branco lhe sorriam abundantemente.
Tudo o que ela era buscava naquele momento era ver sua força novamente polida, tilintando no peito. Queria proteger-se da saudade. Aprender a estar só em sua casinha.
Até pegar o ritmo, ela precisou de muita paciência. A linha da costura e o tecido tinham uma forma um tanto vacilante e muitas vezes a agulha se esgueirava pelo pano até encontrar o cerne do tecido. Os botões eram escolhidos a dedo para se apresentarem altivos, como o espelho precioso de suas sensações. Cada tentativa lhe doía um pouco os dedos, mas nada que abalasse a crença de ver sua vida refeita.
Agora tudo recomeçava, desta vez na trama de um fio adornado por suas próprias mãos. Eis aí a sua mais rara preciosidade: a vida (nova) a ser, com o tempo, resgatada.
Claude Bloc
Um comentário:
O Dogma de uma pessoa, é o seu próprio ser, e do seu ser, basta a liberdade para chegar a FELICIDADE.
Beijos,
Teu mano réi, num carralo réi,não mais reloz.
Postar um comentário