Ônibus equipado com computadores e internet democratiza o acesso à tecnologia da informação no Ceará
por Lívia de Almeida
A carcaça de um antigo ônibus americano, um motor Mercedes-Benz e o trabalho de 35 pessoas durante quatro meses fizeram de um monte de sucata um projeto de transformação social. O veículo, batizado de Expresso Digital, foi totalmente reformado, ganhou oito computadores conectados à internet e hoje circula pelas comunidades de Juazeiro do Norte, no sertão cearense. Abaixo de um toldo, no lado de fora, foram colocados outros dez laptops, que formam um “telecentrinho” para as crianças. “Queremos acabar com essa imagem de que o computador é um bicho-papão, algo de outro mundo”, conta Cristina Diogo, socióloga, fundadora da ONG Juriti e idealizadora do projeto. A primeira parada foi na Colina do Horto, onde fica a estátua da figura mais ilustre da cidade, a do Padre Cícero. Na data de aniversário do milagreiro, 24 de março, o projeto foi inaugurado, em 2008. Naquele ano, mais de 15 mil pessoas entraram no ambiente climatizado para usar os computadores, ler e enviar e-mails, conversar no Orkut e no MSN, aprender a digitar, fazer pesquisas, estudar e registrar boletins de ocorrência via internet. No ano seguinte, foram mais de 34 mil usuários, numa média de 144 pessoas por dia. A cada 15 dias, o ônibus seguia sua rota e estacionava em um novo local, para que outros moradores usassem sua tecnologia.
Mesmo sem saber, essas pessoas estimularam o uso dos softwares livres. É que o sistema operacional dos computadores é o Linux, uma opção técnica e política. Como o Linux é livre e gratuito, diminui os custos do projeto e os problemas com vírus — além de possibilitar que os usuários ajudem a aperfeiçoar o programa. “Somos militantes do conhecimento livre e acreditamos na democratização da tecnologia”, diz Celso Martiniano da Silva, 18 anos, um dos monitores do projeto, de Juazeiro. Como Celso, há outros jovens voluntários que trabalham como educadores no Expresso Digital. Alguns chegaram lá por meio de um convênio com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), instituição que auxilia estudantes de ensino médio e superior a encontrar oportunidades de estágio em todo o País.
Além de dar acesso à tecnologia, o projeto prevê outras ações de cidadania. Uma delas são as teleconferências com funcionários de órgãos públicos da cidade. A atividade tem dia marcado e leva em conta o interesse dos moradores locais. Por exemplo: se eles estão tendo problemas com o fornecimento de água, em vez de irem até a empresa local de abastecimento, vão até o ônibus. Lá é feita uma videoconferência com um funcionário da companhia para tentar resolver a questão. Aos poucos, a comunidade percebe que o computador serve como um canal de comunicação na busca de soluções para os mais diferentes problemas. Já nas oficinas de reciclagem, o que se aprende é que peças usadas podem servir para montar um computador novo. Em 2008 e 2009, foram realizadas 60 oficinas. De lá saíram quatro máquinas completas que foram doadas a uma associação de moradores local. O que não pode ser aproveitado em novos computadores se transforma em brinquedos, utensílios e até em obras de arte. Arte é o que também se vê nos cineclubes. Duas vezes por semana, no fim de tarde, é montado um telão do lado de fora do ônibus para exibição de filmes nacionais e documentários. Cada sessão atrai cerca de 60 pessoas.
Nada, porém, dá tanto Ibope ao ônibus quanto a visita dos romeiros. Juazeiro do Norte é conhecida por atrair milhões deles todos os anos. São pessoas que vão até lá rezar, pagar promessas, pedir e agradecer. Com tanta gente circulando pela cidade, estaria ali uma ótima oportunidade para atrair mais público para o Expresso Digital. Inclusive pessoas arredias à tecnologia. Foi o que a coordenação do projeto fez. No início, o ônibus cheio de computadores causou medo. As pessoas temiam ter que pagar para entrar ou não saber mexer nos botões. Mas aí decidiu-se criar uma espécie de altar virtual, uma plataforma digital colaborativa dedicada ao Padre Cícero, onde os fiéis escrevem suas promessas e pedidos. “Assim que a imagem de ‘Padim Ciço’ aparecia na tela, as pessoas tiravam o chapéu como se estivessem na igreja”, conta a psicopedagoga Inambê Sales, que trabalha no Expresso Digital.
Novos pedidos e agradecimentos ao protetor são aguardados para a próxima leva de fiéis, em setembro. Mas, por enquanto, a romaria é outra: desde o ano passado, o Expresso Digital está estacionado nos arredores da sede da ONG Juriti, atendendo os moradores do bairro de Leandro Bezerra, em Juazeiro. Mas o pessoal do projeto não vê a hora de colocar o Expresso Digital para dar mais voltas. Por isso, buscam caminhos de parceria na comunidade (e fora dela). Afinal, o exercício consciente da cidadania não pode ficar sem combustível.
Revista Galileu
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