Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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domingo, 17 de outubro de 2010

Um trecho do EIS O NOSSO JOÂO DE BARROS - José do Vale Pinheiro Feitosa

Vamos de explicação? Então! Quem é de hoje no Crato eu peço a quem possa decidir sobre tudo, seja qual natureza tenha, que o tempo lhe mostre, ao leitor desta cidade que é boa para curtir, este minutinho dos olhos deles aqui, os tempão que já passou e a ruma que ainda tem de coisa.

Este Crato é bom demais.

É só olhar direitinho que a coisa acontece. Assim é este cidadão da cidade mais cidade que o mundo jamais teve ou terá. O João de Barros. Não dar para mostrar ele todo. Só este trechinho com o qual o apresento. Ele está saindo do Cine Cassino, no meio do dia, de um dia de domingo como hoje. Vamos lá?

Espere um pouco, depois diga qualquer coisa e deposite no bizaco aqui do contador.


"Nisso, alguém chama pelo interlocutor de João e antes mesmo que ele contasse o enredo do filme, o amigo se despede e marca para continuar a conversa outro dia. João, que está em pé na porta do cinema, tem sede e assunta o ambiente para ver por onde vai começar a busca da fonte.

Vai passando do outro lado da praça um adolescente com um carrinho de picolé e João resolve matar a sede e a fome com picolé.

- Ei minino cuma é o picolé?
- Quinhentos réis.
- De que é que tem?
- De munta qualidade, o que é que tu quer?
- Quais são os gosto?
- Baunilha, morango, chocolate...
- O que mais?
- Castanha, leite, banana e abacate.
- Me dê um de castanha!
- Pegue, me dê o dinheiro.
- Peraí, deixô terminar de chupar o bicho.
- Mais eu num vou ficá aqui. Eu vô pru outro lado da praça.
- Aqui tu vai vendê muito mais picolé, tá na frente do cinema.
- Mais já terminou a sessão e todo mundo foi prá casa aimoçar.
- Me dê outro picolé de baunilha!

João chupa picolés de todos os gostos. Aliás falar em chupar é apenas uma força de expressão, pois, na verdade, ele vai mordendo o gelo do picolé e mastigando-o aos pedaços. Naquela sua conversa mole e comendo picolé, já deve três cruzeiros e cinqüenta centavos. O picolezeiro da Sorveteria Cascatinha vai ficando, pois o freguês é do bom. Mais um pouco o rapaz pede a João para tomar conta do carrinho e vai urinar num bar da esquina.

IX
João de Barros, se passando por vendedor de picolé, atende seu Ramiro Paiva, que vinha da casa do padre Frederico e, no percurso até casa, tem sede e resolve chupar um picolé.

- Rapaz, quanto é um picolé?
- Mil réis!
- Este picolé por um cruzeiro não está muito caro, não?
- Não sin-ô, este são especiá, só vende eles nos dia de domingo.
- Me dê um de chocolate!

Seu Ramiro de fato está com sede e embalado, pelos elogios de João aos picolés, chupa dois e paga a conta com uma nota de cinco cruzeiros.

- O sin-ô num tem trocado não. Eu só tenho nota de dois cruzeiros.
- Deixe-me ver.

O comerciante puxa um bolo de notas de dinheiro e vai examinando-o, enquanto João mantém na mão direita uma nota de dois cruzeiros e, na outra, a nota de cinco cruzeiros que seu Ramiro lhe havia entregue. Finalmente, o homem encontra os dois cruzeiros trocados e distraidamente o entrega a João. Nesse momento passa a empregada doméstica chamada Guiomar e faz uma brincadeira com João. Seu Ramiro se interessa pela beleza da morena do pé de serra e João, aproveita para envolver o velho com a moça. Quando a moça sai, João de Barros vai logo lembrando que tem de ir para o outro lado da praça com o carrinho de picolé. O velho satisfeito com os encantos da morena vai para casa sem perceber que nesta enrolação João havia ficado com cinco cruzeiros dele.

- Tu demorou munto!
- É que aproveitei e comi um cachorro quente e bebi um guaraná. Apareceu algum freguês?
- Não, num deu ninguém. Tomém tá na hora do aimoço.
- É mermo, eu vou prá praça da Sé. Té mais!

O esquecimento do vendedor, aumenta o lucro de João na venda de picolé. Chupou sete picolés de graça e ainda apurou sete cruzeiros. Senta-se satisfeito no banco da praça, sob a sombra de um pé de ficus. Aproveita para observar o vai-e-vem da cidade, seus carros, suas bicicletas e as pessoas circulando. Nada mais animador para quem vem das brenhas das roças e florestas.
Passa um senhor e ele pergunta pelas horas. Eram 12:45 horas.

X
João resolve ir andando para o Cine Rádio Araripe que fica na rua Nelson Alencar, a dois quarteirões da praça. Lá, quer assistir às 13:30 horas, a mais um capítulo da série de Nyoka. Logo João está enturmado com a moçada que vende bombons e chocolates, cigarros a granel, trocam e vendem revistas em quadrinhos ou, então, negociam pedaços de fitas de cinema, conseguidos nos cortes e emendas, quando a fita quebra durante a projeção.

2 comentários:

Claude Bloc disse...

Este eu gostei de ler, como tudo o que você escreve, Zé do Vale. Sobretudo pelo cenário sugerido.

Bom domingo!

Abraço,

Claude

socorro moreira disse...

Cinematográfico !
A esperteza bem contada.
Meu Crato que perdeu todos os cinemas , e as suas figuras folclóricas. Hoje só sinto oanonimato geral, e o sorriso sincero de alguns amigos. O mundo acaba pra quem fica, quando muitos já morreram.Mas ainda é possível o entretenimento, o gozo ,na leitura de um texto como esse.
Fiquei com vontade de chupar picolé. Em dois minutos chego na praça da Sé, e chupo devagarzinho um com sabor de baunilha.
Boa tarde, filho do Crato. Amigo do meu coração !