Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sábado, 29 de agosto de 2009

Mapa-múndi - Por Claude Bloc

Há poucos dias inaugurei na parede de meu quarto, acima da cômoda, um mapa-mundi. Postei-me ao seu lado – perto de onde fica o computador – depois afastei-me mais um pouco e me pus a admirar o mundo inteiro bem acima da minha cômoda. A primeira lembrança que me veio foi de Dona Cira, minha professora de Geografia no Pio X. De roupa austera, sempre tentava mostrar um ar incisivo e firme. Ao conhecê-la mais de perto, porém, percebi que essa era uma postura comum entre os professores daquela época, para não perderem o distanciamento necessário, se num momento oportuno, fosse preciso dar alguma bronca. Ela era educada, fala mansa e apontava com o dedo os lugares do mundo por onde verbalmente viajávamos. Eu admirava a mansidão de sua fala e a segurança de seu discurso. Tudo o que desejava ser “quando crescesse”.

Talvez sem saber, Dona Cira e seu ofício tenham injetado em mim a paixão pelas viagens, o interesse por línguas estrangeiras, a leitura de memórias de outras terras. Não viajei tanto quanto quis , falo apenas o francês e “arranho” o inglês, mas li muito – li e leio – e posso dizer que feliz ou infelizmente ainda não encontrei de todo a mim mesma, nem o meu “shangri-la”. A vida ao longo destes anos me aproximou de seus barcos, de seus tripulantes e de seus viajantes, mas a procura ainda continua em certos dias vazios de definições.

Vivi chegadas, partidas, adeuses e de “até breve” e adeuses de “para sempre”. Presenciei encontros e desencontros: fui “cúmplice” de histórias de amores e fui “vítima” de desamores, sobrevivi a desencontros – parti, me perdi de mim, mas cheguei até aqui.

De alguma forma a Geografia sempre esteve presente em minha vida. Com um mês de nascida viajei de Fortaleza a Crato, de lá para Serra Verde. Alguns dos primeiros livros que li foram “Robinson Crosoé”, de Daniel Defoe, “A Ilha do Tesouro”, de Stevenson, “As viagens de Gúliver, de Swift. Só mais tarde me detive no romance da amizade como “O Coruja” de Aluísio de Azevedo e aprendi que a aventura do ser humano acaba sempre numa viagem definitiva.

Foi aí também que descobri uma de minhas fraquezas – chorar. Chorava por tudo. Sensível demais. Tímida demais. Mas pensava: Ora, pra que o Criador inventou a lágrima? Só para que os poetas descrevessem os olhos líquidos de suas amadas? Mas comigo não, era outra coisa. Chorava. E chorava mesmo. Quando me sentia injustiçada. Quando me sentia envergonhada, frustrada, abandonada... Sei lá. Acho que já chorei até demais, e creio ter um saldo pra tantas décadas quantas ainda me faltem para viver. Tanto que inundei muitos mapas-múndi, algumas cartas de amor e muitos travesseiros. Inundei minha vida. Encharquei minhas paixões irrealizadas. Mas, afinal de contas, tudo me serviu de lição.

Pronto, viajei novamente! E minha intenção era mesmo e apenas homenagear Dona Cira. Essa que “pegava carona” no fusca “pé de boi” de Dona Janine e que tinha um pavor imenso de circular pela Rua da Vala de automóvel (cuja vala, nessa época, era ainda a céu aberto). Essa que mostrou sua fraqueza, seus medos e se tornou tão humana para mim.

Foi ela que me deu a idéia de que a vida é uma viagem. Curta ou longa, mas uma viagem ... e em cada etapa um porto. Que estamos todos nesse barco. Que todos podemos ser o timoneiro, ancorando a cada ano para receber nossos amigos e assim nos reciclarmos, e podermos reciclar também a vida e nossos afetos.
Ora, viajar é preciso. (Ainda que seja ao redor do próprio quarto).
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4 comentários:

socorro moreira disse...

Bela homenagaem, lindo texto !
Dona Cira foi professora da minha mãe, e minha professora.
Impossível esquecê-la .

Anônimo disse...

Claude,

Linda a sua homenagem. Dona Cira foi minha professora, portanto fez parte da minha vida.

Abraços

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Prezada Claude

Agradeço pela homenagem à minha querida tia Cira. Ela foi uma grande amiga, de quem sinto muitas saudades. Mas quando criança fiquei meio ressabiado com ela, pois eu era a única criança lá de casa e, ela achou de presentear meu pai, seu irmão, com uma palmatória. Àquela altura, com meus irmão mais velhos já rapazes e moças, o tal presente somente poderia ter utilidade nas minhas mãos.

Claude Bloc disse...

Socorro,

A vida me aproximou de D. Cira de forma que devo tê-la visto de uma forma mais humana. Naquela época tínhamos um respeito imenso por nossos mestres, mas tive a oportunidade de tê-la como amiga, apesar dessa coisa que muitas vezes atrapalha: a diferença de idade.

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Magali,

"No nosso tempo" a gente sempre admirava nossos professores. No Crato os mestres/ as mestras eram sempre requisitados/as em todas as boas escolas. Por isso, mesmo em escolas diferentes, tínhamos em comum os mesmos professores.

Abraços e obrigada pelo almoço. Ontem caprichadíssimo.

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Carlos Eduardo,

Ri muito aqui com sua história. Quem sabe você (sob o ponto de vista de D. Cira) estava precisando mesmo da "encomenda"...

Abraço,

Claude