Em 1992, trabalhei no Banco do Brasil de Nova Friburgo (RJ), como Gerente de Expediente.
Dentre todos os clientes, na minha plataforma, Odete Lara era especial.
Linda, beleza frágil e marcante, elegante sempre, usava um chapeuzinho de palha, feminino e leve, que a protegia do sol serrano. Quando ela chegava, parava todos os meus trâmites: papel para assinar, telefone para atender... Depois de colocar as suas contas em dias, conversávamos sobre o trivial. Não falava de si, nem do passado. Era outra pessoa... Mística e iluminada!Impressionava-me em serenidade e sabedoria. Depois de algum tempo nos tornamos grandes amigas. Finais de semana ela ligava e perguntava-me: "Tem bacalhoada? Você alugou os nossos filmes? Vou dormir aí".
Trazia seu saco de dormir, e frutas do seu pomar e horta. Assistíamos em silêncio os clássicos do cinema, e alguns lançamentos. Era apaixonada por cinema, e uma excelente companhia.
Quando vim embora de Friburgo, ainda trocamos telefonemas vários. Depois perdi o endereço e contato, mas a amizade ficou guardada num canto especial da minha alma.
Às vezes , quando estou fazendo palavras cruzadas, ou assistindo um filme na madrugada, escrevo o seu nome, vejo a sua imagem, mas não é do mito que eu sinto saudades!
Socorro Moreira
ODETE LARA por ANDRÉ SETARO
Foto: cena de "O Dragão da Maldade Contra O Santo Guerreiro" (1969),
de Glauber Rocha
Entre todas as atrizes brasileiras, a que mais me fascina é Odete Lara, talvez porque este fascínio venha da infância, quando ainda em tenra idade comecei a ver seus filmes e me fixei, garoto, na sua forte personalidade, na sua extraordinária presença, e na sua singular beleza de mulher.
Quando comecei a ir ao cinema, em meados dos anos 50, a maioria dos filmes brasileiros que via era constituída de chanchadas. A primeira impressão forte de Odete Lara, apesar de meus 8 anos, veio de Absolutamente certo (1957), deliciosa comédia de costumes dirigida por Anselmo Duarte, que considero, sem medo de errar, um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos. Odete num número musical, nos estúdios da televisão onde o personagem principal, Zé Lino, interpretado por Anselmo Duarte vai pela primeira vez se apresentar para fazer um teste.
Não perdi, desde então, Odete Lara de vista. E a vi no papel de Júlia em Uma certa Lucrécia, de Fernando de Barros (1957), em Dona Xepa, de Darcy Evangelista, Moral em concordata (1959), de Fernando de Barros, e, de repente, Esse Rio que eu amo (1960), de Carlos Hugo Christensen, quando, pela primeira vez, recebo uma Odete Lara colorida dentro do cartão postal da ex-Cidade Maravilhosa. Evidentemente que, naquela época, não tinha em mente os diretores dos filmes citados, ainda que, num caderno colegial, fosse de anotar os filmes vistos.
O menino que se queria já um adolescente vivia lendo em Cinelândia sobre a sua grande atriz, e esperando o seu próximo filme. Que vieram: Cacareco vem aí (1960), de Carlos Manga, Na garganta do diabo (1960), de Walter Hugo Khoury, Dona Violante Miranda (1960,. de Fernando de Barros, e o desconhecido Sábado a la noche, cine. Interessante observar que Odete Lara fazia um filme atrás do outro, sem parar, considerando que somente em 1960, quatro longas metragens.
Mas Odete ainda se revelar mais em Mulheres e milhões (1961), thriller de Jorge Ileli, onde tem mais oportunidade de mostrar os seus encantos. E, principalmente, em 1962, quando domina a cena de quase todas as seqüências de As sete Evas, de Carlos Manga. A seguir: Bonitinha mas ordinária (1963) de J. P. de Carvalho, que desconfio ser pseudônimo de Jece Valadão, uma adaptação sensacionalista da famosa peça de Nelson Rodrigues.
Mas quero aqui apenas registrar a minha predileção por Odete Lara entre todas as atrizes brasileiras de todos os tempos. E não fazer a sua filmografia. Mas é preciso registrar a Odete Lara essencial, e ela se encontra, perfeita e acabada, em Noite vazia (1964), de Walter Hugo Khoury, um dos grandes momentos do cinema brasileiro, Copacabana me engana (1968), obra de estréia na direção de Antonio Carlos Fontoura que viria a lhe dirigir depois em A rainha diaba (1973). E a Odete Lara enfurecida, em O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), de Glauber Rocha, que, vestida de roxo, esfaqueia com quase duas dezenas de golpes de faca Hugo Carvana em momento antológico do cinema brasileiro.
Sim, Odete Lara é única, ainda que tantas as belas e boas atrizes que o Brasil possui.
André Setaro é, antes de tudo, um pensador de cinema.
Crítico, pesquisador e professor de cinema da UFBA -
Universidade Federal da Bahia, André Setaro foi um dos colaboradores
da indispensável "Enciclopédia do Cinema Brasileiro",
organizada por Ferrnão Ramos e Luiz Fernando Miranda.
Nome Completo: Odete Righi
Natural de: São Paulo, SP, Brasil
Nascimento:17 de Abril de 1929
Filmografia - Atriz
2001 - Barra 68 - Sem Perder A Ternura
1986 - Um Filme 100% Brasileiro
1979 - O Princípio do Prazer
1974 - Assim Era a Atlântida
1974 - A Estrela Sobe
1974 - A Rainha Diaba
1973 - Primeiros Momentos
1973 - Vai Trabalhar, Vagabundo
1972 - Quando o Carnaval Chegar
1972 - Viver de Morrer
1971 - Lúcia McCartney, uma Garota de Programa
1971 - Aventuras Com Tio Maneco
1971 - O Jogo da Vida e da Morte
1970 - Os Herdeiros
1970 - Vida e Glória de um Canalha
1969 - Copacabana Me Engana
1969 - O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro
1968 - Cancêr em Família
1967 - As Sete Faces de um Cafajeste
1965 - Mar Corrente
1964 - Noite Vazia
1964 - Bonitinha Mas Ordinária
1964 - Pão de Açucar
1963 - Sonhando com Milhões
1962 - Boca de Ouro
1962 - Sete Evas
1962 - Esse Rio Que Eu Amo
1961 - Mulheres e Milhões
1960 - Dona Violante Miranda
1960 - Na Garganta do Diabo
1960 - Duas Histórias
1959 - Dona Xepa
1959 - Moral em Concordata
1958 - Uma Certa Lucrécia
1957 - Absolutamente Certo
1957 - Arara Vermelha
1956- O Gato de Madame
Filmografia - DiretorPrêmios
- Recebeu no Festival de Gramado o prêmio Oscarito, por sua contribuição ao desenvolvimento do cinema brasileiro.
Curiosidades
- Filha única de imigrantes do norte da Itália. Seu pai, Giuseppe Bertoluzzi, era originário de Belluno. Sua mãe, Virgínia Righi, cometeu suicídio quando Odete tinha apenas seis anos. Foi então internada num orfanato de freiras e depois levada para a casa da madrinha. Odete se apegou fortemente ao pai, seu único referencial afetivo. Mas vitimado por uma tuberculose, Giuseppe foi obrigado a ficar afastado da filha. Giuseppe também se matou quando Odete tinha 18 anos, deixando a filha sozinha.
- Nesta época, Odete já trabalhava para se manter. Seu primeiro emprego foi como secretária e datilógrafa.
- Incentivada por uma amiga, Odete fez um curso de modelo no Museu de Arte Moderna de São Paulo e participou do primeiro desfile da história da moda brasileira realizado no próprio MASP.
- A beleza de Odete deslumbrou o poderoso Pietro Maria Bardi, fundador e diretor do MASP, que a indicou para a então recém-inaugurada TV-Tupi de Assis Chateaubriand.
- Começou trabalhando como garota-propaganda, mas logo seu talento atraiu as atenções e ela foi chamada a participar de uma versão televisiva de "Luz de Gás", com Tônia Carrero e Paulo Autran. Ela fez ainda "Branca Neve e os sete anões", onde interpretou a Rainha Má.
- Ela se tornou estrela do "Programa de Vanguarda", uma das maiores atrações da TV-Tupi. Na TV participou de novelas de sucesso como "As bruxas", "A volta de Beto Rockefeller" e "Em busca da felicidade".
- Foi contratada pelo mais importante grupo teatral em atividade no país, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e estreou na peça "Santa Marta Fabril S/A" dirigida por Adolfo Celi.
- Abílio Pereira de Almeida, autor de Santa Marta, a convidou para participar de seu primeiro filme, O Gato de Madame, ao lado de Mazzaropi.
- Ao lado de Vinicius de Moraes, ela estreou como cantora no show Skindô, que foi registrado em disco. Além deste, ela faria ainda Eles e Ela com Sérgio Mendes, Meu refrão, com Chico Buarque e Quem samba fica, com Sidnei Miller. A trajetória musical de Odete Lara ficaria perpetuada em dois discos: Vinicius e Odete e Contrastes.
- No auge do sucesso profissional decidiu abandonar tudo. Converteu-se ao budismo e partiu para um auto-exílio num sítio nas montanhas do Rio de Janeiro.
- Publicou três livros autobiográficos, "Eu nua", "Minha jornada interior" e "Meus passos na busca da paz", além de traduzir várias obras sobre o budismo.
- Casou-se com o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e com o diretor de cinema Antonio Carlos Fontoura, mas não teve filhos.
- O filme Lara é baseado na história de sua vida.
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