A Panair desde o início se destacou por trazer avanços e novidades, instituindo o que ficou conhecido informalmente como "Padrão Panair", garantia de excelência técnica-operacional. Pioneira sob diversos aspectos, poderosa, charmosa, a companhia mereceu até elogios em prosa e verso: "Nas asas da Panair", canção imortalizada por Elis Regina e Milton Nascimento.
No entanto, nada disso lhe valeu quando de seu vergonhoso fechamento. "Quebrada" por decreto, numa das mais tristes páginas de nossa história política, teve sua morte decretada pelo Governo Federal, numa manobra que contou com a participação da Varig.
Avançada desde o princípio
A Panair tem origem na NYRBA (New York-Rio-Buenos Aires Line) criada pelo norte-americano Ralph O`Neill, um apaixonado por aviação que passou alguns anos costurando as alianças e entendimentos políticos com os Governos do Brasil, Argentina e Estados Unidos. Apoiado financeiramente por James Rand, fundador da Remington Rand. Constituída oficialmente em 17 de março de 1929 e iniciando vôos experimentais em 11 de junho com um hidroavião Sikorsky S-38, O`Neill vê finalmente em 1º de agosto seu sonho decolar: começam os vôos regulares entre Montevidéu e Buenos Aires, logo extendidos para Santiago de Chile, prolongada em novembro até a Bolívia. Estes operados com os Ford Trimotor.
Em 24 de janeiro de 1930, a NYRBA é autorizada a voar no Brasil (Decreto n° 19.079) . Sem perder tempo, vôos regulares começam com os hidroaviões Consolidated Commodore em 19 de fevereiro, ligando em seis dias Buenos Aires a Miami. Desde então, os vôos mantiveram impressionante regularidade, mostrando desde os primórdios a excelência e seriedade operacional que caracterizaram a Panair. Mas outra faceta de sua história mostrou-se já no princípio: a feia face política por trás do sucesso operacional.
Nos Estados Unidos, o governo subsidiava a Pan Am deixando claro seu apoio para sua expansão aérea. Sem apoio do governo e com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, a NYRBA passa a ser controlada pela Pan Am em agosto de 1930.
21 de novembro de 1930 – A NYRBA passa a ser reconhecida como Panair do Brasil S.A. conforme resolução aprovada em Assembléia geral extraordinária realizada em 01/10/1930. (Decreto n° 19.417). Até 1942, 100% de suas ações estiveram em poder dos controladores norte-americanos, que então começaram a vender suas ações para mãos brasileiras.
Como subsidiária da Pan Am, a Panair recebeu oito novas aeronaves (quatro Commodores e quatro Sikorsky S-38). Em 2 de março de 1931, decolaram os primeiros vôos de passageiros, ligando Belém ao Rio de Janeiro, com conexões imediatas aos vôos da Pan Am nas duas pontas. Em 1933 a Panair conquistou a Amazônia, prolongando a linha de Belém até Manaus. Em 1935, o primeiro piloto brasileiro, Coriolano Luis Tenan, assume o comando de uma aeronave da empresa. No ano seguinte, é inaugurada a sede e o hangar de manutenção no aeroporto Santos Dumont.
Em 1937, começa a primeira modernização da frota, com a gradual substituição dos Commodores por Sikorsky S-43 Baby Clippers . Chegam também os bimotores Lockheed L-10 Electra, iniciando assim as operações terrestres, inaugurando vôos para Belo Horizonte em março. São Paulo também passa a receber os aviões da Panair em cinco vôos semanais entre Rio de Janeiro e Porto Alegre. Em junho de 1940 chega o primeiro Douglas DC-2 de 14 lugares, o PP-PAY.
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Mais política, mas desta vez, a favor.
No início da Segunda Guerra Mundial (1940), o Brasil tinha duas grandes empresas aéreas: a Panair (apoiada pelos Estados Unidos) e o Sindicato Condor (apoiado pela Alemanha). Peças de reposição norte-americanas para a frota da Panair eram fáceis de se obter, ao contrário dos componentes germânicos da Condor, que não mais atravessavam o Atlântico. Além disso, o nordeste brasileiro passava a ter importância estratégica para os Estados Unidos, que pretendiam utilizá-lo para atravessar o Atlântico Sul. Sem recursos para construir aeródromos, em 25 de julho de 1941, o Governo Brasileiro autoriza ( n° 3.625) a Panair a construir, operar e manter aeroportos em São Luiz , Fortaleza, Belém, Natal, Recife, Maceió e Salvador. Nessa mesma data, a Panair ganha ainda rotas para Assunción, Goiânia, Corumbá e vários outros destinos no centro-oeste e sul do Brasil, além de extensões nas rotas Amazônicas.
A partir de 1941, a frota de quatorze Lockeed Lodestar, é acrescida pelos modernos L-049 Constellation, primeiros quadrimotores terrestres da empresa. A Panair, com 52% de seu capital já em mãos nacionais, é autorizada a voar linhas internacionais para quaisquer países sul-americanos, bem como para a Europa. Em 03 de abril de 1946, o primeiro Constellation recebido (PP-PCF), inaugura a 1 a . linha transoceânica para a Europa da Aviação Comercial Brasileira. O vôo efetuou as seguintes escalas: Rio de Janeiro – Recife – Dakar – Lisboa – Paris – Londres , sendo por sinal o primeiro avião internacional a pousar no recém inaugurado aeroporto britânico.
Com a chegada do PP-PCG, Roma foi adicionada à malha. Ao final deste ano, a empresa comemorava 222 travessias do Atlântico. Em abril de 1949, 3 anos após cruzar pela primeira vez o Atlântico, a Panair celebrava sua milésima travessia, com mais de 60 mil passageiros transportados.
No mercado doméstico, porém, a competição era grande com os DC-3 excedentes de guerra voando para todos os lados nas mãos de dezenas de pequenas empresas, que com um ou dois aviões competiam sem o menor preparo. A Panair, porém seguia crescendo, chegando em seu auge a operar com vinte e três Douglas DC-3, doze Lockheed L-049/149 Constellation, e oito PBY-5 Catalina nas rotas amazonenses.
As rotas internacionais acabaram desviando a atenção dos executivos da Panair. Enquanto outras empresas cresciam no mercado doméstico, como foi o caso da Real, Varig, Vasp, Aerovias, Lóide e Cruzeiro, a soberana Panair voltava-se mais e mais às rotas intercontinentais. De toda maneira o presidente da Panair, Paulo Sampaio, em 1952 foi à Inglaterra e anunciou a compra de dois de Havilland Comet 2 - compra essa somente cancelada em razão dos problemas enfrentados pelo Comet 1. Em seu lugar vieram quatro e depois mais dois Douglas DC- 7C , utilizados nas rotas transatlânticas no lugar dos Constellation. Com quatro Douglas DC-6B arrendados do Lóide, a frota de Constellation passou a ser utilizada somente nos vôos para o cone sul e em linhas-tronco domésticas. Foi justamente nesta fase que os problemas começaram a ocorrer.
Nuvens negras
A Panair começou a sofrer acidentes sérios. No início dos anos 50, acidentes aéreos infelizmente faziam parte da vida de quase todas as empresas aéreas. Além de ter perdido seis Lodestar nos anos 40 e 50, os grandes quadrimotores começaram a acidentar-se em números alarmantes. Em 28 de junho de 1950, o PP-PCG, pilotado pelo Cmte. Eduardo Martins de Oliveira bateu na aproximação para Porto Alegre, matando todos os seus ocupantes. Mas o fato é que os Constellations continuavam caindo. Em seguida, em 1953, o PP-PDA bateu em aproximação noturna para Congonhas: 17 mortos. Em junho de 1955, o PP-PDJ, coincidentemente também em pouso noturno, caiu numa colina próxima ao aeroporto de Asunción, matando 19 pessoas. O último Constellation perdido em acidentes fatais foi o PP-PDE, acidentado em outra aproximação noturna, desta vez em Manaus (56 mortos) no dia 14 de dezembro de 1962.
Outro terrível acidente, envolvendo o DC- 7C PP-PDO também ocorreu em aproximação noturna: Em 1º de novembro de 1961, o Douglas bateu na única colina próxima ao aeroporto de Guararapes, Recife, matando seus 51 ocupantes.
Apogeu e declínio
Os acidentes mancharam a imagem de segurança da Panair, mas mesmo assim a empresa ocupava uma posição de destaque em nossa aviação. Por exemplo, foi a Panair que levou e trouxe ao Brasil a seleção bicampeã mundial, usando um DC-7 em 1958 para trazer os atletas da Suécia e o Connie PP-PDH para trazer os bi-campeões do Chile. Os DC-7, por sinal, inauguraram em conjunto com a TAP os "Vôos da Amizade", na realidade os primeiros serviços compartilhados na aviação internacional brasileira, ligando o Rio de Janeiro à Lisboa. Em 1959, ao completar 30 anos, a Panair já realizara com êxito 5.827 travessias do Atlântico. Voava para mais de 70 cidades de Beirute à Santiago, numa malha que percorria 110.000 km .
Sem saber, a Panair entrava na década que veria seu triste fim. Já 100% nacionalizada, a empresa recebeu em 21 de março de 1961 dois DC-8-11, de prefixos PP-PDS e PP-PDT, seus primeiros jatos intercontinentais. Pouco tempo depois, em 20 de julho de 1962, chegaram os quatro jatos para etapas médias, encomendados para os vôos domésticos e sul-americanos: os Caravelle 6-R, matriculados PP-PDU, PP-PDV, PP-PDX e PP-PDZ e contando com 64 assentos. Um total de quatro DC-8 foram operados, sendo que um deles, o PP-PDT, foi o primeiro jato brasileiro envolvido num acidente fatal, decolando do Galeão na noite de 20 de agosto de 1962. Um dos Caravelles, o PP-PDU, em 6 de setembro de 1963 quase colidiu em vôo com outra aeronave próximo a Recife. A manobra evasiva feita pelo comandante salvou os ocupantes, mas não a aeronave. Pousando minutos depois em Recife, constatou-se que na manobra, as tolerâncias estruturais da aeronave foram ultrapassadas. O Caravelle sofreu deformações que decretaram o fim de sua operação.
Vergonha Problemas operacionais, dívidas crescentes e a inflação - novidade até então - começaram a rondar os hangares da Panair e de todas as outras empresas aéreas. Foi então que o sonho se desfez. O presidente da Panair, Paulo de Oliveira Sampaio, despachava normalmente em seus escritórios quando chegou, por telegrama, às 15 horas do dia 10 de fevereiro de 1965, a mensagem que informava a decisão do Governo Federal (assinada pelo Ministro da Aeronáutica Brigadeiro Eduardo Gomes) de cassar o certificado de operação da empresa naquele momento. Numa nota repassava as linhas internacionais para a Varig "em caráter provisório". Cinco dias depois, o Governo decretou a falência da empresa, tomando-lhe as instalações, aeronaves e outros ativos. As linhas domésticas e os Caravelles passavam às mãos da Cruzeiro do Sul. Os DC-8 e rotas internacionais ficavam com a Varig.
A página mais vergonhosa de nossa aviação havia sido escrita, num conluio entre um Governo Federal totalitário, então sob comando dos militares e uma empresa aérea concorrente, que surpreendentemente operou na noite de 10 de fevereiro todos os vôos que até então eram da Panair como se isso fosse coisa simples. Nenhum passageiro da Panair ficou no chão: naquela noite, os 707 da Varig partiram para a Europa voando nas rotas da Panair.
Uma empresa foi quebrada pelo poder concedente em benefício de outra. Eram os anos críticos da ditadura e os executivos da Panair não tiveram a quem se queixar. Cinco mil trabalhadores perderam seus empregos e muitos deles a razão de viver. A justiça tardou, mas não falhou. Aos 14 dias de dezembro de 1984, os herdeiros da massa falida da Panair ganharam, embora tardiamente, a ação movida contra o Governo: a falência foi considerada pelo Supremo Tribunal como fraudulenta e a União condenada a ressarcir a Panair.
Ressarcir como? Não há bem material capaz de pagar pelas experiências tão duramente extirpadas da alma da empresa e de seus funcionários. Mesmo assim, a sentença foi clara: os herdeiros poderiam até retomar da Varig as rotas usurpadas.
A Panair foi morta. A livre iniciativa e a competição de mercado, alicerces de uma sociedade livre, plural e capitalista foram massacradas naquela tarde de fevereiro. Sobreviveram os funcionários da empresa, reunidos até hoje em encontros anuais da Família Panair. Sobreviveram alguns aviões, operados pela própria Varig e Cruzeiro até 1975. Mas naquela quarta-feira de fevereiro de 1965, morreu a inocência. Morreu uma geração de aviadores. Morreu o Padrão Panair.
Fontes:
• Baseado no texto de Gianfranco Beting publicado no site: http://www.jetsite.com.br/• Efemérides Aeronáuticas Brasileiras – Centro de Relações Públicas do Ministério da Aeronáutica – 1959.
Disponível em:
http://www.proflight.com.br/historias_panair.htm
3 comentários:
Olá, Cesar Augusto.
Esse artigo me fez voltar no tempo por duas coisaa:
1. Foi num "Constellation" da Panair a minha primeira viagem de avião.
2. Era eu uma adolescente que ainda não havia estudado a língua inglesa, e apenas iniciava a cartilha da língua francesa.Foi quando um dia, "toda empolgada" eu li em voz alta (crente que estava abafando):"CONSTELACION"...
e foi aquela gozação, que até hoje, ainda ouço as risadas do pessoal lá de casa.
E a minha "empolgação" se desfez no tempo junto com a Panair.
A Panair do Brasil deixou saudades nos corações de todos nós brasileiros e se me permite repito as palavras ditas ao Sr Feitosa:
"Ao entrar em operação em 1.929, a PANAIR não tinha sequer aeroportos para que seus aviões pudessem pousar. Coube a ela construir então seus “Campos de Pouso” nas regiões mais longínquas do Brasil. Isso sem falar na Amazônia, desbravada pelos céus através dos inesquecíveis Catalina que pousavam nos rios levando médicos e remédios para aquelas populações esquecidas nos pontos mais distantes dos mapas.
Em 1946 a PANAIR inaugurou a linha Nova York - Rio de Janeiro num vôo que durou exatas 18 horas e 49 minutos, realizado com o inesquecível Lockheed Constellation. Por uma feliz coincidência, o Museu Asas de um Sonho, mantido pela TAM, inaugurado sábado dia 11 – apresentou ao público um L-1019 Constellation recuperado e pintado nas cores da PANAIR.
Homenagear a PANAIR DO BRASIL é resgatar uma parte da história da qual cada um de nós brasileiros devemos ter muito orgulho. O mundo conheceu o Brasil graças ao pioneirismo dessas tripulações que com ousadia e coragem atravessavam o Atlântico ou sobrevoavam a Amazônia levando a nossa bandeira a outros continentes."
Cesar Augusto Fontes (ex-funcionário da Panair do Brasil
Um beijo para vc e não deixe de publicar os seus Hai Kai, são muito lindos e delicados.
Cesar Augusto
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